Jornalismo do centro do mundo

Muvuca: dezenas de espécies de sementes voaram em fevereiro pelas mãos dos participantes do Micélio para reflorestar uma área degradada de Altamira. Foto: Soll/SUMAÚMA

Hoje,  SUMAÚMA faz 2 anos. Para alguns de nós parece que faz 10, porque plantar uma árvore de histórias na Amazônia exige todo o nosso corpo. Mas porque SUMAÚMA é projeto de vida e não plano de negócios, posso afirmar a vocês que chegamos a um lugar novo neste momento – e é um lugar importante.

Como está anunciado em nosso manifesto de semeadura, temos o compromisso de tornar a redação progressivamente mais amazônida e, em dez anos – agora oito –, majoritariamente amazônida. E isso também nas posições de comando, porque, como sabemos, só há transformação real com ocupação de poder por aqueles que não contavam e não eram contados (ou eram mal contados). Esta é uma missão ainda mais difícil do que fazer bom jornalismo em tempos de destruição da Natureza e de destruição da verdade – ambas conectadas.

Criamos, então, o Micélio, nosso programa de coformação de jornalistas-floresta, e realizamos nossa primeira edição em nossa base, Rio Xingu/Altamira. Encerramos o programa com um intercâmbio de nossos 14 missalientes – eles preferem ser chamados assim – com coletivos de jornalismo das chamadas “periferias” de São Paulo, a maior cidade do Brasil. Para nós, de SUMAÚMA, essa é uma conexão centro-centro e acreditamos que será possível fazer mundo quando as alianças se fortalecerem e os centros ocuparem o lugar que é legitimamente seu.

À esquerda, grupo de ‘missalientes’ na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo, fazendo conexão centro-centro com coletivos de jornalismo periférico; à direita, Raylane Juruna e Weslane Xipaya Juruna entrevistam o ancião Agostinho Juruna na Aldeia Mïratu, na TI Paquiçamba. Fotos: Ilana Katz e Josiel Juruna

Hoje, nossa redação em Altamira conta com dois jornalistas-floresta formados por SUMAÚMA, Ju Bastos e Soll, jovens negros de Altamira. Em alguns meses, receberá também um jovem Indígena da Terra do Meio. Além dos jornalistas, a administração e a produção estão sob o comando de Daniele Graça, amazônida de Belém do Pará. Em breve, abriremos um edital para a nova edição do Micélio, que desta vez estará aberta para toda a Amazônia Legal.

Soll, com sua reportagem multimídia de estreia, é finalista de um importante prêmio internacional de jornalismo. Catarina Barbosa, filha e neta de Ribeirinhas, nascida em Belém do Pará, teve um projeto de investigação selecionado pela Rainforest Investigations Network (RIN), gerida pelo Pulitzer Center, que está sendo acompanhado e será publicado em SUMAÚMA. No ano passado, ela conquistou Menção Honrosa no Prêmio Vladimir Herzog com uma matéria que publicamos.

A transformação que essas novas perspectivas, imaginações e experiências têm produzido em SUMAÚMA é ainda maior do que esperávamos. Agora podemos constatar no cotidiano uma potência vinda da diversidade no olhar, nas linguagens e na forma de contar histórias que apenas suspeitávamos. Também podemos afirmar que nossa imagin/ação é possível.

Nossa plataforma trilíngue desde o centro do mundo já começa a ganhar novas nuances a partir das primeiras reportagens de jornalistas-floresta. A cada ano, essa potência será ampliada com vozes vindas de outras Amazônias. Para que o ponto de chegada seja também – e sempre – um ponto de partida, lançamos hoje uma campanha de doação para fortalecer a nossa árvore. Para fazer mundo não é possível desejar sozinho, é preciso que quem acredita no nosso manifesto se comprometa com ele com mais do que likes (embora a gente goste muito dos likes).

Nosso jornalismo é de excelência: apuramos com rigor e com total independência, temos checagem, revisão ortográfica e gramatical e tradução profissional nativa para espanhol e inglês. Não fazemos reportagem nem por telefone nem pela internet, vamos para o chão da floresta, a região mais cara do Brasil para fazer reportagem e uma das mais caras do planeta. Tanto que, para fazer frente à crise das grandes redações, os idealizadores de SUMAÚMA também criaram com outros colegas o Rainforest Journalism Fund, que por cinco anos financiou reportagens em toda a Pan-Amazônia.

Quero pedir que se engajem em nossa campanha pela plataforma Apoia.se, que começa hoje a ser divulgada em nossas redes sociais. Precisamos de dinheiro para sustentar nosso jornalismo, e a melhor forma de garantir independência é com doações de quem acredita que nosso trabalho-manifesto é importante. Como recompensa, teremos uma série limitada de postais com as melhores fotos que publicamos e as vozes da floresta que trouxemos em nossas reportagens nestes dois primeiros anos de SUMAÚMA.

Foto de Soll, o primeiro contratado do programa de coformação de jornalistas-floresta, mostrando a ilha do Canari durante reunião dos Guardiões do Xingu

Também teremos  dois encontros: um comigo, Eliane Brum, sobre o meu livro Banzeiro Òkòtó – Uma Viagem à Amazônia Centro do Mundo (Cia. das Letras), e outro com Jonathan Watts, sobre seu livro As Muitas Vidas de James Lovelock – Ciência, Segredos e Teoria de Gaia (Canongate). Recém-lançado no Reino Unido, em inglês, mas ainda inédito em português e espanhol, o livro é a biografia do cientista britânico que criou a Teoria de Gaia e ajudou a moldar o século 20.

Lançamos essa campanha temporária com a esperança de que os apoiadores desejem se tornar parte permanente de nossa comunidade de leitores. Uma das metas deste terceiro ano de SUMAÚMA é justamente criar novos instrumentos de participação para essa comunidade ter maior presença ativa em nosso cotidiano. O leitor-apoiador terá a chance de se conectar para também irrigar essa árvore de palavras que movem.

Para que todas as pessoas possam ter uma experiência de participação na comunidade SUMAÚMA, nosso próximo Moitará será aberto. No dia 24 de setembro, nosso colunista Sidarta Ribeiro vai entrevistar por streaming nossa colaboradora Raimunda Gomes da Silva. Também conhecida como Raimunda Tutanguira, ela é cocriadora de Guariba, nossa história em quadrinhos para crianças, uma espécie de anti-Mogli e certamente um anti-Tarzan. Mas desta vez Raimunda, Ribeirinha do Xingu (e de vários outros rios), vai contar sobre seu primeiro livro, Cartilha de Mezinhagem (N-1 Edições, com produção da rede Buiúnas). A apresentação e a mediação serão do MC Joaka Barros, participante de nossa primeira edição do Micélio.

Esse Moitará é uma forma de levar a nossas leitoras e leitores pelo menos um pouco do alumbramento que nosso evento-festa de 2 anos provocou nas mais de cem pessoas que compareceram ao campus de Altamira da Universidade Federal do Pará, em 23 de agosto. Nessa data, Raimunda lançou seu livro na universidade, onde chegou pelo Rio Xingu. Nada poderia ser mais simbólico – e nada poderia ser mais real – do que a escritora que há quase dez anos tinha horror a “caneta” (todas elas e também a de jornalistas e escritores) se apropriar do instrumento de destruição, convertendo a caneta da violência numa caneta de cura.

Este é o espírito vital de SUMAÚMA, é assim que a gente faz mundo e é esse o convite deste minidoc-presente: venham sumaumar com a gente – juntem-se.


Texto: Eliane Brum
Checagem: Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Tradução para o espanhol: Julieta Sueldo Boedo
Tradução para o inglês: Sarah J. Johnson
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Coordenação de fluxo editorial: Natália Chagas
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de redação: Eliane Brum

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