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Lula assinou uma medida provisória para taxar os ‘super-ricos’ e ‘incluí-los no pagamento de impostos’, afirmou. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

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A única alternativa para curar a pior febre planetária em mais de 100 mil anos é investir no desaquecimento da política em nível mundial. Isso significa que as pessoas devem, juntas, buscar, trabalhar e pagar por esse tratamento de emergência. Antes de tudo, porém, é preciso derrotar as forças nacionalistas e capitalistas que procuram nos dividir, enfraquecer e distrair.

Essa realidade ficou ainda mais evidente e urgente no mês passado, em meio a sinais alarmantes e crescentes do colapso climático, que avança da Amazônia à Antártida – e de táticas cada vez mais extremas, por parte dos principais responsáveis pela destruição ambiental, para atrasar o processo de restauração dos biomas.

Novas ideias positivas estão surgindo, incluindo a recente sugestão do governo Lula de criação de um imposto global para os bilionários. No entanto, a maioria dos detentores de poder no mundo parece confiar mais em soluções mercadológicas, como a venda de créditos de carbono, apesar das crescentes dúvidas sobre a eficácia desse instrumento. A questão é que o tempo está se esgotando.

No dia 21 de julho, um domingo, a temperatura média da atmosfera na superfície do planeta atingiu uma máxima histórica de 17,09 graus Celsius, de acordo com o Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do Copernicus, que tem dados que remontam a 1940. Os analistas do clima estimam que foi o dia mais quente do mundo em mais de 120 mil anos. No dia seguinte, essa marca foi quebrada novamente.

Foi o 13º mês consecutivo de recorde mundial de temperatura, além de pelo menos 19 recordes nacionais. Algumas vezes, os novos picos ficaram tão distantes das expectativas que os cientistas já admitem que os modelos computacionais não conseguem explicar plenamente o que está acontecendo. “Não temos uma explicação quantitativa nem para a metade disso. É bastante doloroso”, lamentou Gavin Schmidt, cientista britânico e diretor do Instituto Goddard para Estudos do Espaço da Nasa em Nova York.

Não há dúvida de que a queima de árvores, gás natural, petróleo e carvão é a principal culpada do aumento da temperatura global. Mas há outros fatores, cada vez mais preocupantes, que também aceleram a tendência de aquecimento.

O primeiro aspecto é a destruição de florestas, zonas úmidas e outras paisagens naturais que normalmente funcionam como absorventes de choques climáticos ao sugar dióxido de carbono do ar. Numa conferência realizada no Brasil em julho de 2024, cientistas apresentaram resultados preliminares de um estudo mostrando que esses sumidouros de carbono entraram em colapso em 2023, absorvendo apenas entre 1,5 bilhão e 2,6 bilhões de toneladas métricas de dióxido de carbono, menos de um terço da quantidade de 2022. Segundo os pesquisadores, as causas principais são a seca na Amazônia e os incêndios florestais no Canadá e na Sibéria.

Comunidades como Porto Praia, no Amazonas, têm sido afetadas por secas agravadas pela crise climática. Foto: Gustavo Basso/NurPhoto via AFP

O segundo fator é o enfraquecimento da capacidade da Terra de refletir o calor de volta para o espaço. O trabalho de arrefecimento é parcialmente feito pelo gelo branco nos polos Norte e Sul, mas essa ação tem decaído com o calor. As temperaturas numa parte da Antártida atingiram recentemente 24 graus Celsius acima da média para esta época do ano, no meio do inverno austral, intensificando um persistente processo de derretimento. Em 29 de julho, a extensão total do gelo marinho registrou seu recorde de baixa, com quase 4 milhões de quilômetros quadrados (uma área maior do que a Índia) abaixo da média de 1981-2010.

Se tudo isso não fosse suficientemente terrível, a circulação de correntes oceânicas – que movem as águas de resfriamento em todo o planeta – também está mais perto do colapso devido à perturbação climática causada pelo ser humano. Um novo estudo preliminar indica que, com as tendências atuais, uma das maiores correntes, a Circulação Meridional do Atlântico (Amoc), poderia colapsar em meados deste século, o que teria consequências catastróficas para grande parte do mundo.

Para ter qualquer chance de deter esses horrores, a humanidade – particularmente os mais ricos e poderosos, que são os principais responsáveis pela calamidade – precisa mudar drasticamente de direção. Em vez de reduzir o sistema de apoio à vida do planeta, temos de construí-lo – protegendo e expandindo as florestas, diminuindo as emissões de carbono, investindo em energia limpa e reconhecendo que os povos Indígenas e tradicionais estão fazendo um trabalho melhor do que qualquer governo na manutenção da saúde planetária. Isso requer uma mudança em termos de dinheiro e prioridades políticas, que está mal começando.

No mês passado, vimos alguns passos encorajadores, embora muito pequenos, em especial no debate sobre finanças. O Brasil propôs um imposto de 2% sobre a riqueza dos super-ricos do mundo. Esse imposto global sobre fortunas acima de 1 bilhão de dólares poderia render 250 bilhões de dólares por ano para enfrentar a crise climática e lidar com a pobreza e a desigualdade.

Apoiado também pela África do Sul, Alemanha e Espanha, o plano será apresentado na cúpula de líderes das 20 maiores economias do mundo no Rio de Janeiro, em novembro.

Faz muito sentido. O imposto afetaria apenas um pequeno número de pessoas, que poluíram mais do que ninguém e lucraram imensamente nos últimos anos.

Como os comentaristas assinalaram, os bilionários usam, em média,  1 milhão de vezes mais dióxido de carbono do que os cidadãos globais compreendidos na faixa dos 90% com renda mais baixa. A fortuna coletiva dos bilionários aumentou 2,7 bilhões de dólares por dia nos dois anos seguintes à pandemia. Entretanto, o planeta ficou mais quente e muitos dos pobres ficaram mais pobres nesse período.

O dinheiro poderia ser transformador no pagamento da estabilização climática e da proteção da natureza, bem como no apoio aos mais vulneráveis. Ele poderia também ser dirigido de algum modo para a compensação de perdas e danos que os países ricos prometeram na COP-28, em Dubai, no ano passado. A proposta, provavelmente, é bem popular. Uma pesquisa feita em 21 países mostrou que a grande maioria dos entrevistados (68%) era a favor de um imposto para os super-ricos.

No entanto, ela terá uma oposição poderosa. A secretária do Tesouro dos Estados Unidos já rejeitou o plano. Isso não é surpresa. Os EUA abrigam a maior parte dos bilionários do mundo e são o maior produtor de combustíveis fósseis. Wall Street vai se opor ao plano do Brasil, assim como, muito provavelmente, Elon Musk e grande parte do Vale do Silício.

Tais atores preferem cumprir as suas responsabilidades climáticas com o mercado de crédito de carbono, apesar das crescentes dúvidas a respeito dessa prática. No mês passado, a iniciativa Science Based Targets, uma influente agência de vigilância climática corporativa, lançou um novo estudo que revela que as compensações de carbono são uma ferramenta ineficaz para reduzir as emissões. As Nações Unidas também estariam mudando de posição e se opondo ao uso de créditos de carbono por empresas para compensar a sua pegada climática. O órgão mundial diz que as empresas devem investir em formas de reduzir as próprias emissões em vez de usar truques contábeis para removê-las dos seus resultados financeiros.

SUMAÚMA tem repetidamente feito relatos sobre as falhas no sistema de créditos de carbono, que é favorecido pelos gigantes do petróleo e pelas big techs. Nesta edição, lançamos mais uma luz sobre os desafios que isso representa na Amazônia, com uma reportagem de Claudia Antunes e Rafael Moro Martins sobre os contratos apontados pelo governo brasileiro como “excessivamente desvantajosos” para os Indígenas da Amazônia.

Um imposto global sobre os super-ricos, os petroestados ou grandes emissores seria mais justo, menos propenso a truques de lavagem e contabilidade e potencialmente mais eficaz. Mas também enfrentaria resistências de oligarcas do gás da Rússia de Putin, de xeiques e emires de Estados ricos em petróleo do Oriente Médio e de grandes latifundiários do Brasil.

Vencê-los é a chave para a saúde planetária. E será uma batalha diferente de qualquer outra que tenhamos enfrentado. Como SUMAÚMA observou antes, isso não será combatido nas tradicionais linhas divisórias do século 20. As pessoas e o clima devem vir em primeiro lugar, e qualquer líder que se opuser – quer se descreva como de esquerda, quer de direita – parecerá um tirano.

Vejamos o caso da Venezuela, onde a panelinha do petróleo de Nicolás Maduro o mantém agarrado ao poder apesar dos protestos de rua e da denúncia internacional de fraudes nas recentes eleições no país. Até o Brasil, que sempre foi um forte aliado de Maduro, se juntou à Colômbia e ao México para exigir a divulgação das atas de votação.

A eleição dos Estados Unidos também teve uma virada fascinante com a ascensão de Kamala Harris – uma mulher negra com um impressionante histórico climático – como candidata a presidenta pelo Partido Democrata, contra Donald Trump, que se comprometeu com a indústria petrolífera e já recebeu financiamentos de fontes russas. Se ele ganhar, vai ser o “fim de jogo” para o clima, de acordo com o influente cientista Michael Mann. Se ela ganhar, o mundo ainda poderá ter meia chance. A outra metade dependerá de se afastar de Wall Street, das big techs e do mercado de carbono. E de ir em direção à Amazônia, à tributação e aos poderes resilientes da Natureza.


Texto: Jonathan Watts
Checagem: Douglas Maia e Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Tradução para o português: Denise Bobadilha
Tradução para o espanhol: Meritxell Almarza
Editora de fotografia: Lela Beltrão
Coordenação de fluxo de trabalho editorial: Viviane Zandonadi
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de redação: Eliane Brum

Exploração de combustível fóssil provoca desastres ambientais como o de Matanzas, Cuba, onde um depósito de petróleo pegou fogo em 2022. Foto: Yamil Lage/AFP

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