Jornalismo do centro do mundo

Tartaruga da Amazônia. Foto: cristiane costa carneiro

Querida Comunidade SUMAÚMA,

Esta sexta edição de nossa newsletter trilíngue é um momento especial para nós, de SUMAÚMA. Esperamos que seja especial também para você, que faz parte de nossa comunidade de leitores. Esta edição marca uma escolha muito fundamental de nossa semeadura como plataforma de jornalismo que se propõe a contar histórias reais a partir da Amazônia e dos povos-floresta. Quando se fala em povos-floresta, de imediato o leitor identifica os indígenas e, se for mais bem informado, também os quilombolas, os ribeirinhos e outras populações tradicionais que compartilham a casa-floresta. Mas raramente o leitor vai identificar povos-floresta não humanes.

Para nós, de SUMAÚMA, nossa atuação só fará sentido se formos capazes de fazer jornalismo também de uma perspectiva não humana. Na maioria das vezes são justamente as outras espécies as que mais sofrem pela ação de pessoas humanas na floresta e também em outros enclaves de natureza, particularmente com os projetos de governos e de corporações privadas. Mas, ainda que sejam as que mais sofrem, raramente contam e são contadas no debate público. Se os povos originários humanes, que têm garantida sua escuta por tratado internacional, são seguidamente usurpados de seus direitos, é possível imaginar o que resta para os povos não humanes.

SUMAÚMA quer colaborar para mudar essa realidade, como está explícito em nosso manifesto. Para isso, a jornalista Talita Bedinelli, uma de nossas cofundadoras, trabalhou com muita dedicação para inaugurar nesta edição o que entendemos ser a melhor forma de representação dos interesses de espécies cuja voz não compreendemos. Assim como acreditamos que essas outras gentes deveriam estar representadas em todas as instâncias de uma democracia que mereça esse nome – incluindo parlamentos, judiciário etc –, em nossas páginas elas são representadas por cientistas reconhecidos que dedicam sua vida a estudá-las. Em nome de espécies não humanas, como seus porta-vozes, pesquisadoras e pesquisadores reivindicam ao presidente eleito Lula participação em seu governo. Vale lembrar ainda que as pessoas não humanas da floresta têm importância fundamental para a manutenção da saúde do bioma, cada uma delas parte insubstituível daquilo a que chamamos Amazônia. Toda vida é interdependente. Assim, não se trata de altruísmo, mas de sobrevivência.

Nesta edição, também mostramos o impasse do momento que vivemos na Amazônia. Enquanto na COP27, no Egito, os povos originários exigiam a demarcação de 100 milhões de hectares de floresta para enfrentar o colapso climático que sentem e conhecem como ninguém, nas ruas de Boa Vista, capital do estado amazônico de Roraima, uma mulher do povo Yanomami foi assassinada com 2 tiros na cabeça. Tudo indica que a única razão dos assassinos foi ela ser indígena. Podia ser ela, podia ser outro a morrer, desde que fosse indígena. Foi ela. E assim, agora, há mais um cadáver e um bebê órfão.

O primeiro cenário, o da cúpula, é contado pela jornalista colombiana Edilma Prada Céspedes, numa parceria da Agenda Propia com SUMAÚMA. Nossa equipe se sente honrada por essa colaboração. Acreditamos no jornalismo colaborativo, e esta é a primeira de muitas que virão com iniciativas independentes de jornalismo na Pan-Amazônia. Precisamos nos aliar e somar nossas forças para cobrir a guerra movida contra a natureza a partir da perspectiva de seus povos.

O segundo cenário, o do chão, é contado pela indigenista, antropóloga e tradutora do Yanomami Ana Maria Machado. Em seu artigo, ela mostra que o assassinato da mulher indígena, provavelmente um crime de ódio, começou muito antes, quando a ditadura empresarial-militar (1964-85) do Brasil acabou com o mundo em que aquele grupo específico dos Yanomami vivia ao construir a mortífera rodovia Perimetral Norte.

Entre a cúpula e o chão há um longo caminho. SUMAÚMA se alinha aos povos originários da Amazônia e ao presidente eleito Lula na reivindicação de que a Cúpula do Clima seja realizada na floresta. É só no chão que a cúpula pode ser de fato efetiva.

Por fim, há ainda nesta edição um presente: uma entrevista com o líder político, xamã e escritor Yanomami Davi Kopenawa. Nela, Davi conta como foi a eleição de Lula da perspectiva da política xamânica. SUMAÚMA só faz entrevistas com falantes de outras línguas com a colaboração de tradutores de competência reconhecida, para que as palavras, o ritmo e a textura sejam respeitadas. Só assim a linguagem pode ser de fato traduzida e nos alcançar em toda a sua potência. Ana Maria Machado fez a entrevista em Yanomami e a traduziu para o português. E do português ela foi traduzida para as outras 2 línguas de SUMAÚMA, o espanhol e o inglês.

Lembramos mais uma vez que, para que nosso jornalismo seja possível, ele precisa do seu apoio. Só nos tornaremos árvore se os leitores fizerem comunidade com a gente e doarem aquilo que cabe no seu orçamento. Só seguiremos existindo se você achar que SUMAÚMA é importante para imaginar o país – e o planeta – onde quer viver.

Até a próxima. Juntes.

Eliane Brum
Idealizadora e diretora de redação de SUMAÚMA – Jornalismo do Centro do Mundo

Zogue-zogue de Alta Floresta. Foto: Francielly Reis

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