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Sumaúma: Jornalismo do Centro do Mundo
EDIÇÃO 14
quinta-feira, 13 abril, 2023
Por que o Estado destruiu a vida dos médicos que salvaram os Yanomami
Querida comunidade,

“Não cospe no chão! Segura esse catarro!” Eu acordei numa manhã de julho de 2001 com esses gritos. Acordar é um modo de dizer. Eu estava ensopada, dividindo uma rede ensopada com meu companheiro de reportagem, o fotógrafo Lilo Clareto. Era minha estreia no território Yanomami, Lilo já tinha coberto o massacre de Haximu, em 1993, o único genocídio julgado pela Justiça brasileira. Os gritos eram da enfermeira e dos auxiliares de enfermagem da Urihi-Saúde Yanomami. O sol ainda nascia, e eles precisavam recolher o primeiro catarro dos Yanomami para fazer o teste de tuberculose, uma das muitas doenças levadas pelos não indígenas. Era só mais um episódio do atendimento em saúde mais espetacular que eu jamais vira e jamais veria novamente.

Para chegar até aquele momento, nós havíamos viajado primeiro de helicóptero, depois de avião e depois um dia de barco pelos rios da terra indígena. Quando alcançamos a aldeia, ensopados pela chuva e sem ter podido comer, descobrimos que aquele grupo Yanomami tinha se movido para um acampamento perto da roça. Pegamos mais uma vez o barco e aportamos noite fechada, o que nunca é prudente na floresta. Com pouca macaxeira para si mesmos, os Yanomami só puderam compartilhar manduruvás assados. Como não havia lugar na maloca e a chuva continuava, tínhamos poucos lugares para amarrar as redes, por isso Lilo e eu tivemos que dividir uma. Faz frio à noite nas terras altas do território, e a chuva tornou tudo pior. Nossa realidade era a mesma dos profissionais de saúde, com a diferença de que eles passaram horas recolhendo catarro quando amanheceu. Com a diferença de que nós acompanhamos o trabalho em outras duas aldeias e depois voltamos para Boa Vista, e eles continuaram. Os agentes de saúde passavam meses caminhando quilômetros para atender e testar os indígenas em suas próprias malocas.

Nunca vi nada assim, nenhuma dedicação como aquela. Não sabia que um atendimento como aquele existia e me lembro de ter ficado muito impressionada, com a sensação de que algo tão certo finalmente acontecia no Brasil. Era o atendimento criado por Deise Alves e Cláudio Esteves, dois jovens médicos idealistas que poderiam estar trabalhando em qualquer outro lugar, com muito mais conforto e melhores salários, mas que tinham escolhido viver e criar suas filhas em Boa Vista, capital de Roraima, e, como diz o antropólogo Bruce Albert, revolucionar a saúde indígena.

A reportagem especial desta newsletter é sobre o que aconteceu depois que Deise e Cláudio criaram o melhor momento da saúde Yanomami desde a invasão dos brancos. Feita por Malu Delgado, uma das jornalistas mais experientes de sua geração, a matéria narra em detalhes precisos como o Estado destruiu o nome e a vida dos médicos. Essa é uma história de uma das maiores injustiças públicas já cometidas. Sem dinheiro para pagar um advogado, sem apoio de seus pares, eles foram abandonados para definhar e sucumbiram (quase) sozinhos. Dá para contar nos dedos (de uma só mão) os poucos que mantiveram um apoio realmente efetivo a esses dois brasileiros que deveriam ter um lugar de honra na história da saúde indígena.

Deise Alves e Cláudio Esteves foram destruídos. A história está contada aqui. Mas, sem que as pessoas e as organizações se movam por eles, os médicos, que foram atacados porque tiveram a ousadia de enfrentar os destruidores da floresta, ainda seguem com uma dívida de 85 milhões de reais com o poder público e com sua própria saúde combalida. Como dizem os mais jovens, é sobre isso.

Leiam, posicionem-se, somem-se e ampliem a indignação ativa em busca de justiça para Deise, Cláudio e o povo Yanomami.

Eliane Brum
Semeadora de SUMAÚMA
LEIA AQUI
De Copérnico a Kafka. Ou como o Estado puniu os médicos que revolucionaram a saúde indígena no Brasil: a história da Urihi

Deise Alves e Cláudio Esteves criaram um modelo que salvou os Yanomami, entre os anos 1990 e o início dos 2000, e que servia de barreira ao garimpo. Em vez de reconhecimento, tiveram seu nome e sua vida destruídos e hoje devem 85 milhões de reais ao poder público

MALU DELGADO, RECIFE/PERNAMBUCO
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SUMAÚMA

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