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Sumaúma: Jornalismo do Centro do Mundo
Edição 19
quinta-feira, 22 junho, 2023
O verdadeiro risco Brasil
Querida comunidade,

Desde a publicação do manifesto de SUMAÚMA, no lançamento da plataforma, em setembro de 2022, afirmamos que contamos a floresta desde dentro. Dizemos também que fazemos jornalismo em tempos de guerra, a maior da trajetória da nossa espécie, uma guerra contra a natureza que começou há pelo menos 200 anos, com a Revolução Industrial, à base de combustíveis fósseis (carvão, depois petróleo, gás etc.), e nos levou ao colapso climático hoje em curso acelerado. Estamos aqui, no Médio Xingu, na linha de frente. Sabemos e sentimos que as pessoas da parte de baixo do mapa do Brasil, no Centro-Sul, não gostam de ouvir. Sabemos que o público médio de outras regiões do planeta que alcançamos com nossa plataforma trilíngue também prefere não ouvir. Sabemos ainda que parte dos que apoiam nosso trabalho ouve, entende, mas talvez ainda não alcance. Temos nos esforçado para contar o que está acontecendo com profundidade, com precisão, com seriedade – em português, inglês e espanhol. Às vezes, fazemos tudo isso e ainda gritamos. Mas a maioria, mesmo aqueles que dizem que escutam, não escuta. Porque escutar é agir – a palavra que age dos Guarani Kaiowá. Preciso dizer que, neste início de verão amazônico, à espera dos fogos criminosos que virão, me sinto quase impotente para fazer com que as pessoas escutem. O quase é importante, o quase é a possibilidade que nos move.

Não temos tempo para discursos inspiracionais. Fico repetindo e repetindo que estamos em guerra, mas percebo que a realidade é que a maioria prefere acreditar, para seu próprio bem-estar, que faço um discurso político ou meramente retórico. Sim, é político, mas só é político, pelo menos naquilo que entendo por política e que passa longe do que é feito nesse Congresso brutal, porque está ancorado na verdade dos dias. A guerra já chegou ao Centro-Sul do Brasil, já está em toda parte – e há muito. Quantos eventos extremos serão necessários, quantos morros e casas precisam desabar sobre a cabeça, quantas secas varrendo tudo o que é vivo, para que entendam? Talvez todos, é o que começo a perceber. As pessoas vão vendo sua vida diminuir ao redor de si, vão se confinando, mas ainda preferem ficar agarradas à ilusão a lutar pela vida.

O Congresso está governando o Brasil e poderá acelerar a destruição do planeta num nível sem precedentes se não houver mobilização, como mostra a reportagem de Rafael Moro Martins nesta edição. Há na Amazônia um projeto agromilitar bem articulado e que tem avançado rapidamente para ocupar o poder em 2026. Parte das lideranças está mais ameaçada hoje, no governo Lula, do que no governo de Bolsonaro porque há uma reação da extrema direita que comanda as cidades amazônicas e não quer perder território – em todos os sentidos. Enquanto isso, a mídia corporativa festeja a diminuição do risco país, os influencers do “mercado” têm aprovado as medidas econômicas, a mesma ladainha de sempre, a que nos trouxe até o abismo. O desmatamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, de Marina Silva, e do Ministério dos Povos Indígenas, de Sonia Guajajara, tem muito menos espaço na imprensa e nas mentalidades, como se não se tratasse de economia e de sobrevivência. Como se não estivesse acontecendo o que está acontecendo. Como já escrevi, a governabilidade tem as mãos manchadas de sangue.

Nosso compromisso em SUMAÚMA é com o jornalismo: respeitar os fatos, ter a coragem de contá-los e fazer isso da linha de frente da guerra movida contra a natureza, ao lado dos povos-natureza. Tenho respeito suficiente por vocês para dizer: está duro, muito duro, e vai piorar. Espero que saibam quanto custa para quem está na linha de frente fazer cada reportagem de SUMAÚMA. Espero que vocês se comprometam com a vida de todas, todos, todes que estão lutando – infelizmente – em muito menor número, com muito menos poder e recursos do que os predadores da Amazônia, do planeta, da sua vida.

Anos atrás eu me surpreendia com o fato de que a maioria da espécie parecia ter perdido por completo o instinto de sobrevivência, ao contrário do que vejo todos os dias aqui na floresta em todas as outras espécies. Acabamos de ver o vírus da covid, em sua determinação de sobrevivência, matar milhões de humanas e humanos. E veremos cada vez mais. O organismo mais simples tem instinto de sobrevivência. Mas o capitalismo destruiu o instinto de sobrevivência das pessoas humanas, moldou gerações como indivíduos que acreditam viver para seus umbigos e sua suposta liberdade quando são apenas consumidores passivos de todas as mercadorias ordinárias que engolem junto com o planeta destruído para produzi-las. A maioria dos que olharem para si com alguma verdade vai perceber que também acredita que alguma outra coisa vai salvá-los e a suas crianças, talvez a tecnologia, a inteligência artificial, a possibilidade de se estabelecer em outro planeta ou algum tipo de força superior.

Não vai. É o que o jornalismo de SUMAÚMA tem mostrado semana após semana. Ou lutamos ou lutamos. Não há coluna do meio.

Eliane Brum
Semeadora de SUMAÚMA
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