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ÁREA DESMATADA NA FLORESTA AMAZÔNICA PERTO DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU, NO MATO GROSSO. FOTO: PABLO ALBARENGA/SUMAÚMA

O clima é uma expressão da vida. Esquecemos disso por nossa conta e risco. As enchentes e os deslizamentos que causaram destruição no litoral norte de São Paulo no feriado de carnaval são bem mais do que desastres naturais – precisam ser reconhecidos como acontecimentos provocados por seres humanos, porque quanto mais nós devastarmos a Amazônia e outros pilares vivos do mundo natural, menos estáveis serão o céu acima e o solo abaixo de nós.

Agora que entramos na era das rupturas climáticas, calamidades tão ou mais perturbadoras vão ocorrer mais vezes e alcançarão mais gente de todas as camadas sociais. Moradores das periferias pobres já conhecem essa realidade, porque historicamente são empurrados para as paisagens mais degradadas e vulneráveis. As pessoas urbanas, da classe média, até há pouco tempo podiam viver em suas bolhas de ar-condicionado fingindo que nada mudou, enquanto os super ricos bem informados conseguiam se antecipar aos problemas, agindo como indivíduos egoístas, e construir os próprios bunkers para se esconder do apocalipse.

A última tragédia mostrou que nem mesmo o dinheiro pode garantir uma fuga segura. A enchente monstruosa – choveu o dobro da média para o mês inteiro de fevereiro em apenas nove horas – inundou e fez desmoronar barrancos desmatados sobre a estrada que liga a capital paulista às praias de São Sebastião, Ilhabela, Ubatuba e Bertioga, no litoral norte do estado de São Paulo. Ao menos 65 pessoas morreram, 4 mil foram forçadas a deixar suas casas e inúmeros paulistas ricos viram o feriado se transformar em pesadelo. Turistas entraram em pânico de consumo e a garrafa de água mineral chegou a ficar dez vezes mais cara.

Limpar a lama desmoronada e reconstruir a estrada não resolve os problemas. Catástrofes assim continuarão a ocorrer, e em frequência maior, a não ser que a sociedade brasileira reconheça que precisa restaurar a desgastada infraestrutura natural do país. No estágio atual da história da humanidade, esse desafio urgente se impõe a todos os países – se o século 20 foi o do concreto e aço, o 21 deve ser o do plantio de árvores e da proteção dos biomas essenciais para a estabilidade climática.

A Amazônia, a Mata Atlântica, o Pantanal, o Cerrado, a Caatinga e os Pampas não apenas absorvem dióxido de carbono, eles ajudam a regular as chuvas, a temperatura e a composição química do ar que respiramos. Árvores, claro, cumprem um papel nisso, mas a maior parte do trabalho é feita por minúsculas formas de vida, bactérias – trilhões e trilhões de criaturas que estão constantemente reciclando, liberando gases e assegurando que a atmosfera da Terra seja excepcionalmente habitável. Sempre que drenamos um pântano, derrubamos uma floresta e construímos sobre uma planície, nós enfraquecemos essa capacidade, enfraquecemos o suporte que essas criaturas dão à existência de vida no planeta.

Por outro lado, quem protege e cuida das florestas e de outros centros de vida contribui para a estabilidade desse sistema global e essencial de suporte. Isso é um princípio fundamental da biogeoquímica moderna e da Ciência do Sistema Terra, embora muitas comunidades da floresta já saibam disso há muito mais tempo. Não é à toa que o intelectual indígena Davi Kopenawa Yanomami reivindica que seu povo “sustenta o céu”. O não indígena, a pessoa de fora, pode enxergar os povos originários simplesmente como guardiões das árvores, mas eles veem a si mesmos mais como parte da floresta e matéria orgânica desse pilar de vida.

Assim, a luta pela Amazônia seria entre, de um lado, os que dilapidam a floresta em nome do curto prazo, dos interesses individuais dos mercados e, do outro, os que querem fortalecer a floresta para o bem de uma biossociedade viva, interdependente e sustentável. Tudo o que acontece na Amazônia é, portanto, uma história climática, uma história política e uma história de sobrevivência.


Tradução: Thiago Leal

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