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O documentário Sob a Pata do Boi mostra como fornecedores de gado ‘legalizam’ animais criados em áreas desmatadas ilegalmente. Foto: reprodução

Fazer listas nunca é fácil. Colocar escolhas no papel e sugeri-las a outras pessoas é sempre uma responsabilidade imensa, porque parece definitivo. Mas isso seria impossível quando se fala da Amazônia e de sua complexidade. Um punhado de sugestões de filmes nunca daria conta do que precisa ser mostrado. Por isso, trago uma primeira seleção de beleza e tristeza. Além de muita luta. É também o levantamento de uma variedade de assuntos que podem servir de introdução a temas complexos, como o contato forçado de indígenas isolados, as línguas destruídas, a invasão das áreas de pasto e os intentos capitalistas de controlar a floresta.

São filmes acessíveis a todos nos serviços de locação online ou em plataformas de streaming, onde há muita coisa boa “escondida”. Espero que esta lista te inspire a mergulhar atrás de novas histórias e na busca por conhecimento.


Raoni. Jean Pierre Dutilleux e Luiz Carlos Saldanha (1978)

Quando esteve ao lado de Lula na posse e junto a outros representantes da população entregou a ele a faixa de novo presidente do Brasil, o cacique Raoni Metuktire — maior referência indígena do país — acrescentou mais um ponto de batalha à sua biografia forjada na luta. O documentário Raoni vai ao começo de tudo, ao tempo em que o jovem cacique do povo Kayapó (Mẽbêngôkre) inicia sua disputa contra os brancos para manter a terra e o modo de vida de seu povo. Gravado de forma clandestina durante a ditadura empresarial-militar (1964-1985), o filme mostra cenas preciosas de uma cultura que começava a ser tocada por invasores que desmatam a floresta, afugentam a caça e matam as pessoas com suas doenças e venenos, para dar lugar ao gado. O longa também procura explicar como a tragédia de hoje tem origem na ação deliberada do próprio Estado brasileiro.


Sob a Pata do Boi. Marcio Isensee e Sá, 2018

Você sabe a origem da carne que consome? Quantas vidas humanas e não humanas ela destruiu antes de chegar à sua mesa? As incômodas perguntas pulam na cabeça ao fim deste documentário produzido pelo site ((o))eco e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Sob a Pata do Boi retrata desde a década de 1960, uma época em que a exploração predatória da floresta era estimulada pelo próprio governo, até os dias atuais, quando 20% da Amazônia já veio abaixo, com dois terços dessa área transformados em pasto. Se você consome carne, certamente vai flertar com o vegetarianismo.

Onde assistir: Amazon Prime, Claro TV, Google Play ou iTunes. Veja o trailer:


Nheengatu. José Barahona, 2020

Uma língua inventada para apagar outras línguas e, junto, destruir outras culturas. O diretor português José Barahona busca no rio Negro os falantes do Nheengatu, um idioma adaptado por seus conterrâneos colonizadores a partir das línguas locais, com o objetivo de reduzir a diversidade cultural indígena brasileira, cristianizar os povos originários e sujeitá-los ao trabalho escravo. O filme mostra como a chegada do branco transformou radicalmente modos de vida tradicionais e conta uma história pouco conhecida no país.

Onde assistir: Amazon Prime e Claro TV e Apple TV. Veja o trailer:


Amazônia Sociedade Anônima. Estevão Ciavatta, 2020

Gravado com a participação do coletivo audiovisual Munduruku, Amazônia Sociedade Anônima traz imagens maravilhosas da biodiversidade da floresta amazônica e explica como ocorreu a deterioração do bioma nas últimas quatro décadas. Diante das ameaças de invasão cada vez mais próximas e da omissão do governo, ribeirinhos e indígenas, liderados pelo cacique Juarez Saw Munduruku, se unem para fazer a autodemarcação de suas terras. O documentário mostra, ainda, os bastidores da indústria da grilagem, que opera livremente na Amazônia na certeza da impunidade.

Onde assistir: GloboPlay, Youtube filmes, Apple TV, Google Play. Veja o trailer:


Ex-Pajé. Luiz Bolognesi, 2018

Um filme desolador sobre as mudanças impostas por brancos e missionários religiosos aos Surui Paiter na Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia, a partir do final da década de 1960. A obra retrata Perpera Suruí, pajé de seu povo, obrigado a abandonar sua prática religiosa ancestral após a chegada de pastores evangélicos que condenavam o xamanismo. Marginalizado pela própria comunidade, já convertida, Perpera aceitou a religião dos invasores e abriu a igreja para o culto dos fiéis. Agora ele usava a roupa dos brancos. Calça, camisa e paletó maiores que seu corpo. Os espíritos da floresta não perdoaram.

Onde assistir: Netflix, Apple TV, Youtube filmes, GloboPlay


 


Beyond Fordlândia. Marcos Colón, 2017

Parecia um plano simples na cabeça de Henry Ford: transformar um largo pedaço da Amazônia em uma grande plantação de seringueiras, extrair o látex necessário para os pneus de seus automóveis e, assim, baratear os custos da produção industrial. Mas o anseio pelo lucro não contava com as dificuldades que surgiriam do poder de reação da própria floresta (entre outros problemas) e a cidade artificial criada pelo empresário estadunidense no meio do Pará, na década de 1920, nunca prosperou. O documentário mostra que o episódio foi apenas a porta de entrada para a chegada de grandes monoculturas extensivas na Amazônia.

Onde assistir: Vimeo. Veja o trailer:


Gyuri. Mariana Lacerda, 2022

Um filme-homenagem a Claudia Andujar, fotógrafa suíça naturalizada brasileira, e à liderança Yanomami Davi Kopenawa, que estiveram juntos na luta pela demarcação da Terra Indígena Yanomami na década de 1980 – a vitória seria obtida em 1992. Claudia desafia os limites do corpo, que já chegou aos 90 anos, e volta ao Demini, a aldeia de Kopenawa, onde reencontra o amigo e companheiro de batalha para lembrar o passado desolador da etnia – que também é presente, porque as ameaças continuam dentro do território – e a conquista da demarcação. O lindo trabalho da fotógrafa, que fugiu do nazismo e encontrou entre os Yanomami a causa de sua vida, e o cotidiano da aldeia são um presente aos espectadores, ao lado da deliciosa cumplicidade entre Andujar e Kopenawa, mãe e filho de coração.

Onde assistir: Apple TV, Youtube filmes, GloboPlay. Veja o trailer:


A Última Floresta. Luiz Bolognesi, 2021

Enquanto Gyuri visita o passado, A Última Floresta retrata o presente dos Yanomami. O filme, que contou com a participação do próprio Davi Kopenawa no roteiro, encena a tragédia atual dos indígenas da etnia, encurralados em um território invadido pelo garimpo. Ao mesmo tempo em que parte da comunidade, liderada pelos xamãs, luta contra os invasores, outra parte é seduzida pelas possibilidades de dinheiro da atividade criminosa. A história é contada por indígenas-atores do próprio Demini, aldeia de Kopenawa, que encenam a origem do mundo segundo a cosmovisão Yanomami e mostram como a extração de ouro pelos invasores pode provocar “a queda do céu”.

Onde assistir: Netflix


Taego Ãwa. Henrique Borela e Marcela Borela, 2017

Vítimas de um contato forçado pelo governo brasileiro em 1973, os poucos sobreviventes da etnia Ãwa que viviam isolados na floresta, no Tocantins, foram expulsos de sua terra. Esta, depois, foi entregue a criadores de gado. Isso aconteceu durante a política de “integração” da Amazônia, na época da ditadura empresarial-militar brasileira. No longa, os diretores levam aos descendentes dos Ãwa capturados na floresta décadas atrás imagens históricas do contato forçado. As fotografias e os vídeos, encontrados pelos cineastas por acaso em um armário da faculdade, se contrapõem ao cotidiano da geração recente, que teve terra e cultura usurpadas e agora luta para demarcar o território onde viviam seus antepassados. O filme dá uma ideia do estrago feito pelas Frentes de Atração de indígenas do governo militar e ajuda a entender por que é tão importante a política de não contato que vigora no Estado brasileiro desde a redemocratização.

Onde assistir: Claro TV. Veja o trailer:


Amazônia – O Despertar da Florestania. Christiane Torloni e Miguel Przewodowski, 2019

Um retrato de como a política e a destruição podem caminhar lado a lado, a depender dos interesses de quem está no poder. E de como o país sempre pautou seu desenvolvimento na destruição da floresta. O documentário usa imagens de arquivo, depoimentos e entrevistas que mostram a luta dos que tentam manter a floresta em pé desde os primeiros movimentos de destruição provocados pela ditadura empresarial-militar.

Onde assistir: GloboPlay. Veja o trailer:


 

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