“A resposta somos nós!” Não poderia haver uma declaração mais nítida ou positiva a respeito das crises climática e da Natureza do que essa afirmação dos povos Indígenas do Brasil durante a Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, a COP-16, na semana passada, em Cali, na Colômbia. E tal afirmação não poderia vir em melhor momento, feito um antídoto para a decisão terrível e chocante dos governos de muitos países, incluindo o Brasil, de expandir a produção de petróleo e gás, mesmo sabendo que ela piora secas, intensifica queimadas e inundações, contamina rios e causa outros sinais de deterioração acentuada do clima, como mostramos nesta edição.
Neste mundo confuso, a insistente devoção aos combustíveis fósseis parece surreal de tão errada. Como é possível lideranças políticas não reagirem a uma crise assim? Será que vivem num mundo diferente? A hipocrisia também é espantosa, porque esses mesmos governos conhecem os perigos do aquecimento global para seus povos, e ainda assim negligenciam suas promessas de reduzir emissões.
Mais evidências desse fracasso monumental foram recentemente reveladas pela Organização das Nações Unidas (ONU), que disse que as emissões de gases de efeito estufa – provenientes da queima de florestas, carvão, petróleo e gás – estão aumentando mais rápido do que a média da última década.
Assim – apesar de um segundo ano de calor recorde global e apesar das inúmeras mortes e das enormes perdas econômicas –, os governos permitiram a piora da causa das catástrofes. É tão absurdo que a ONU parece estar ficando sem vocabulário para descrever a gravidade da situação. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, declarou um “código vermelho para a humanidade”. O secretário-executivo do clima da ONU, Simon Stiell, avisou que “temos dois anos para salvar o mundo”. E a chefa do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, Inger Andersen, reforçou: “É a hora da verdade para o clima”.
Queimada no Amazonas: governantes insistem nos combustíveis fósseis mesmo sabendo que os gases de efeito estufa só pioram a crise climática. Foto: Michael Dantas/AFP
Na próxima semana, o mundo se reunirá para tentar encontrar respostas na COP-29, a conferência do clima da ONU em Baku, no Azerbaijão. Como de costume, cabeças vão acenar, discursos serão proferidos e dinheiros prometidos. Mas, também como de costume, há pouca expectativa de mudança real. O Azerbaijão é o terceiro anfitrião da COP do clima que planeja aumentar a produção de petróleo e gás. Sede da conferência em 2025, o Brasil também pretende impulsionar esse setor. Como o mundo pode reduzir as emissões se a agenda que discute clima e Natureza é definida por aqueles que querem expandi-las?
O sistema da COP precisa de uma mudança radical. Por isso, SUMAÚMA apoia os apelos por uma presença Indígena mais poderosa na COP-30, em Belém. Os povos originários devem ter um papel de tomador de decisão para que possam lutar mais ferozmente a batalha em defesa do clima e da Natureza. Como a coligação de organizações indígenas declarou recentemente: “Nós sabemos quem está botando fogo no mundo e o impacto violento que isso tem produzido nos nossos territórios: seca severa, isolamento forçado, doenças, falta de alimento, invasões, conflitos e mortes. Diante do colapso iminente da sustentação da vida no planeta, ações fortes e efetivas precisam ser tomadas. Enquanto os governos continuam querendo mediar metas insuficientes e financiamentos vazios, queremos anunciar que, a partir de agora, só haverá paz com a Natureza se declararmos abertamente a guerra contra os combustíveis fósseis e qualquer outro projeto predatório que ameaça a vida no planeta”.
Nesta edição da newsletter de SUMAÚMA, vocês vão entender por que isso é necessário. Trazemos um mapa interativo das secas devastadoras na Amazônia; uma entrevista com a liderança Indígena Mara Xavante, que fala da linha de frente dos incêndios em sua aldeia; o relato de um dia na COP-16 junto a Carlos Nobre, o cientista climático brasileiro que foi um dos primeiros a alertar sobre a proximidade da Amazônia de um ponto de não retorno; e uma coluna de Sidarta Ribeiro sobre como devemos repensar as cidades numa era de colapso climático. São artigos poderosos, mas talvez o mais comovente e inspirador seja o da investigação de Wajã Xipai sobre a razão pela qual o rio da sua aldeia – o Iriri – está ficando verde. Indígena do povo Xipaya, Wajã participou da primeira turma do nosso programa de coformação de jornalistas-floresta, o Micélio. Sua reportagem mostra por que estamos aprendendo tanto com ele como contador de histórias e verdades.
As águas e o povo de um lugar: para entender as mudanças da saúde do corpo-d’água, Wajã Xipai precisou se afogar – no sentido figurado. Foto: Wajã Xipai/SUMAÚMA
Texto: Jonathan Watts
Checagem: Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Tradução para o português: Denise Bobadilha
Tradução para o espanhol: Meritxell Almarza
Editora de fotografia: Lela Beltrão
Montagem de página e acabamento: Natália Chagas
Coordenação de fluxo de trabalho editorial: Viviane Zandonadi
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de redação: Eliane Brum