Jornalismo do centro do mundo

Presente de fim de ano: formação de chuva forte sobre a Floresta Amazônica no início de dezembro. Foto: Pablo Porciuncula/AFP

Neste mundo tão polarizado, há algo que todos temos em comum: a sensação de alívio quando o clima se comporta de uma forma relativamente normal.

É tão raro que isso aconteça hoje em dia que foi com imensa alegria que recebemos a notícia de uma chuva volumosa em Altamira. Ela interrompeu – pelo menos por ora – a estação atipicamente seca, longa e ardente que atormenta o estado do Pará e grande parte da região amazônica pelo segundo ano consecutivo.

Se o clima estivesse normal, o esperado seriam aguaceiros diários, durante vários meses, para encher os rios desidratados, apagar os incêndios criminosos e revitalizar a floresta ressecada. Os tons castanhos passariam a ser verdes e a multidão de vida respiraria mais facilmente.

Seriam notícias bem-vindas para aqueles que procuram a alegria de cada estação. O Natal não é Natal sem chuva na floresta tropical.

Mas algumas porções da Amazônia ainda estão secas. As estações chuvosas estão cada vez mais curtas, o que é ruim para a floresta, para o abastecimento de água e para a geração de alimentos.

Enquanto isso, os esforços humanos para combater o aquecimento global correm o risco de retroceder vários passos. A COP do clima em Baku, a COP-29, foi uma das mais miseráveis já registradas, como relata Claudia Antunes nesta edição, e deixou o Brasil com uma montanha para escalar em novembro do próximo ano, quando Belém sediará a COP-30, a primeira cúpula climática na Amazônia. O megaevento deveria ser uma oportunidade para colocar a Natureza no centro do debate sobre o clima, dar às comunidades Indígenas um papel mais influente e inspirar governos de todo o mundo a deter a queima de árvores, carvão, gás e petróleo. Nesse caso, o legado do presidente Lula e da ministra do Meio Ambiente Marina Silva seria extraordinário e consolidaria o lugar do Brasil como líder mundial na área ambiental.

Cena de uma COP-29 miserável: em 2025, Belém terá o desafio de sediar a conferência do clima na Amazônia. Foto: Kiara Worth/UN Climate Change

No entanto, há um risco crescente de Belém não sediar um triunfo, e sim um colapso, já que demasiadas forças poderosas estão se movendo na direção oposta, tanto no âmbito nacional como no global.

Lula está mais fraco do que nos dois mandatos anteriores. Ele é constantemente enganado pelo Congresso dominado pelo agronegócio. A capacidade de seu governo proteger o meio ambiente é desafiada por criminosos incendiários, revela Rafael Moro Martins em uma nova reportagem investigativa e mostram também Juliana Bastos e Guilherme Guerreiro Neto nos relatos sobre os incêndios na Ilha do Arapujá, em Altamira.

Se continuar assim, é bem possível que o público da COP-30 no próximo ano testemunhe o céu acima de Belém envolto em fumaça criminosa, o que seria um símbolo adequado para um mundo em chamas e com a liderança global tomada pelos interesses dos exploradores de combustíveis fósseis.

O próximo ano será difícil. Quando Donald Trump assumir o poder em janeiro, é provável que avance rapidamente para, mais uma vez, retirar os Estados Unidos do Acordo Climático de Paris. Da última vez que fez isso, em seu mandato anterior, a Europa teve o importante papel de contrabalançar a medida, o que será mais complicado em 2025 com a atual instabilidade política na Alemanha e na França.

Lula e Marina Silva: a COP-30 deveria ser a grande oportunidade de consolidar o Brasil como protagonista ambiental, mas os sinais do governo são erráticos. Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Grandes nomes do setor empresarial têm recuado de compromissos, cada vez mais enfraquecidos, de proteger o meio ambiente. A Coca-Cola diluiu suas promessas de emissões e reciclagem. Os lobistas corporativos obstruíram esforços para aprovar um tratado global que limitaria a poluição por plástico. Grandes instituições financeiras, como BlackRock e JPMorganChase, são acusadas de providenciar capital para empresas que desmatam florestas e violam direitos Indígenas.

Também no Brasil boa parte dos produtores e negociantes de grãos ainda resiste a aderir à moratória da soja, que é, há 18 anos, o acordo mais proeminente do setor privado para proteger a Amazônia. Os líderes linha-dura do agronegócio e da mineração estão em ascensão e ganharão ainda mais poder com o recente anúncio do acordo Mercosul-União Europeia.

Junte todas essas tendências ao negacionismo do gabinete de bilionários de Trump, cujas fortunas somadas valem mais de 300 bilhões de dólares – e parece que estamos entrando numa era em que os muito ricos deixam de fingir que se preocupam com o meio ambiente –, desistem da maior parte da população mundial e agarram abertamente o poder na ilusão de que o seu dinheiro os protegerá do caos climático que está por vir.

Em certo sentido, isso coloca a Amazônia em uma posição ainda mais precária. A floresta tropical sofrerá mais pressão extrativista, a extrema direita será encorajada e o colapso climático vai se acelerar. Pode ser também que a onda destruidora crie oportunidades, porque a fachada de uma elite capitalista benigna terá sido arrancada. As verdadeiras cores (monocromáticas!) do neoliberalismo serão reveladas. Aqueles que procuram ideias transformadoras e dinamismo político terão de olhar para além das capitais industriais do Norte Global.

Apesar das muitas ameaças que a COP-30 em Belém enfrenta de inimigos políticos, incapacidade logística e potencial violência policial contra a sociedade civil, há uma história forte para contar: a de sobreviver ao colonialismo e à escravidão, de reduzir o desmatamento da Amazônia e do Cerrado e de trazer mais líderes Indígenas para o governo. Se a luta de uma retomada precisa começar em algum lugar, que seja aqui, onde tanto os povos tradicionais como os pequenos produtores rurais estão sob pressão dos negociadores globais e do clima alterado pelos combustíveis fósseis.

De uma forma ou de outra, é certo que será outro ano tumultuado. Por isso, apertem os cintos e se mantenham unidos. SUMAÚMA vai relatar todo esse caminho através dos olhos da nossa equipe premiada de jornalistas e com a bem-vinda chegada de um novo repórter sediado em Belém, Guilherme Guerreiro Neto.

Ainda há muitas histórias a serem contadas, razões para lutar e motivos para alegria. A solidariedade nunca foi tão importante. Agradecemos a todos vocês da comunidade SUMAÚMA por lerem os nossos artigos e apoiarem o nosso trabalho em 2024.

Desejamos a todas e todos chuvas reparadoras, momentos de calma e vigor renovado para 2025.

 

Amanhecer na Amazônia: nascer do sol registrado por reportagem perto de São Félix do Xingu, no Pará. Foto: Anderson Coelho/SUMAÚMA


Texto: Jonathan Watts
Checagem: Douglas Maia
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Tradução para o português: Denise Bobadilha
Tradução para o espanhol: Meritxell Almarza
Editora de fotografia: Lela Beltrão
Montagem de página e acabamento: Natália Chagas
Coordenação de fluxo de trabalho editorial: Viviane Zandonadi
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de redação: Eliane Brum

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