Os prédios que representam o poder em Brasília, não apenas político mas também o dos enclaves econômicos que dominam e dirigem o país há séculos, mudaram de cor nos dias em que 6 mil indígenas se alojaram na capital federal, em frente ao Teatro Nacional. Mesmo diante de um Congresso Nacional com uma bancada ruralista cada vez mais forte – são 347 membros na Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), 300 dos 513 deputados e 47 dos 81 senadores –, o movimento indígena se mostra cada vez mais organizado, resiliente e resistente. Tornou-se impossível não mais enxergar os indígenas e sua luta, ainda que muitos grupos políticos se articulem cada vez mais para mantê-los invisíveis e exterminá-los.
O Acampamento Terra Livre (ATL), a principal assembleia anual dos povos indígenas do Brasil, ocorreu entre os dias 24 e 28 de abril, e foi a prova de que a política começou a ser aldeada. O verbo “aldear” foi lançado pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, ainda em 2022, para ilustrar a necessidade de alcançar as esferas de poder. Os indígenas, agora, contam com representações que nunca tiveram nos órgãos federais. Além do ministério, a presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é exercida pela advogada indígena Joenia Wapichana; há um indígena, Ricardo Weibe Tapeba, à frente da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); a Bancada do Cocar está presente na Câmara, tendo Célia Xakriabá (PSOL-MG) como protagonista.
A representatividade política dos indígenas ainda é ínfima, mas inédita. Depois de aldear, vieram outras palavras e expressões fortes, com letras garrafais projetadas nas duas torres do Congresso Nacional: mulherificar, indigenizar, oncificar. Verbos necessários, pois os confrontos com os espaços de poder são iminentes. Os slogans são gritos de guerra, como em rituais nas aldeias: “O futuro indígena é hoje”, “Sem demarcação não há democracia”, “Nunca mais um Brasil sem nós”, “Nenhuma gota de sangue a mais”, “Antes do Brasil da coroa, existia o Brasil do cocar”. Essa linguagem veio para ficar. Com seus corpos e com suas palavras, os indígenas não vão recuar.
Marcha de povos indígenas que saiu do Acampamento Terra Livre em direção ao Congresso Nacional, em Brasília, com os cartazes que resumem a luta indígena. Na tarde de quarta-feira (26/4), os povos indígenas decretaram emergência climática. Foto: Fernando Martinho/Sumaúma
A deputada federal Célia Xakriabá discursa na sessão solene em homenagem à 19ª edição do Acampamento Terra Livre. Foto: Matheus Alves/Sumaúma
“Nosso marco não é temporal. Nosso marco é ancestral. Podemos até ter pouco tempo de Congresso Nacional. Mas temos muito mais tempo de Brasil.”
Deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), que lidera a chamada Bancada do Cocar na Câmara dos Deputados, durante plenária no Acampamento Terra Livre, em Brasília
Na primeira marcha que saiu do Acampamento Terra Livre 2023, em direção ao Congresso, os indígenas protestaram contra os projetos de lei que atingem seus direitos, os “PLs anti-indígenas”. Foto: Fernando Martinho/Sumaúma
“Vocês precisam defender os territórios para não deixar os garimpeiros entrarem neles. Me considero um tio, um avô de todos vocês. Eu participei da posse do presidente Lula. Agora quero pedir ao presidente para fortalecer os recursos financeiros para o atendimento dos povos indígenas.”
O cacique Kayapó Raoni Metuktire, um dos mais emblemáticos líderes dos indígenas brasileiros, fez questão de marcar presença no ATL no dia em que Lula assinou a demarcação de seis terras indígenas. Raoni subiu a rampa do Palácio do Planalto ao lado do presidente em sua posse, em 1º de janeiro de 2023
Abertura da 19ª edição do Acampamento Terra Livre, em Brasília. O ATL 2023 teve como tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!”. Foto: Fernando Martinho/Sumaúma
Detalhe de pinturas e cocar indígenas na 19ª edição do Acampamento Terra Livre, em Brasília. Foto: Fernando Martinho/Sumaúma
“Nossa luta não é só nossa. A luta dos povos indígenas é de todos. Somos nós os corpos impactados todos os dias, somos nós que passamos por toda a violência e os impactos das mudanças climáticas.”
Juliana Kerexu, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que discursou no Acampamento Terra Livre (ATL) no dia em que o presidente Lula esteve no local
Mulher indígena do povo Xokleng exibe cartaz com os dizeres ‘Marco temporal é golpe’ durante a sessão solene no Congresso Nacional no dia de abertura da 19ª edição do Acampamento Terra Livre. Foto: Matheus Alves/Sumaúma
A ministra Sonia Guajajara (ao centro), ao lado da deputada federal Célia Xakriabá e de Silje Muotka, presidente do Parlamento Sámi (povo indígena da Noruega), com Marcos Xukuru: todos caminham cantando, de mãos dadas, para a sessão solene em homenagem à 19ª edição do Acampamento Terra Livre. Indígenas celebraram a entrada pela porta da frente do Congresso Nacional. Foto: Matheus Alves/Sumaúma
“Por mais de 500 anos, nós, povos indígenas, sofremos as consequências de um projeto colonial que desconsiderou a nossa ciência, saberes, nossas culturas, nossas línguas, crenças e rituais. Pela primeira vez na história deste país, temos um Ministério dos Povos Indígenas na estrutura do governo federal.”
Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva
Indígenas exibem cartazes, durante a primeira marcha do Acampamento Terra Livre 2023, com a pauta de enfrentamento dos projetos de lei anti-indígenas que tramitam no Congresso Nacional. Foto: Matheus Alves/ Sumaúma
Vista aérea da marcha dos povos indígenas do dia 26 de abril, na 19ª edição do Acampamento Terra Livre, em Brasília. Indígenas seguram faixa com as palavras de ordem ‘Sem demarcação não há democracia’ e ‘Povos indígenas decretam emergência climática’. Foto: Fernando Martinho/Sumaúma
Jovens do povo Xakriabá cantam durante a sessão solene no Congresso para marcar a abertura da 19ª edição do Acampamento Terra Livre. Foto: Matheus Alves/Sumaúma
Revisão ortográfica (português): Elvira Gago
Tradução para o espanhol: Meritxell Almarza
Tradução para o inglês: Ana Carolina Gasonato
Edição de fotografia: Marcelo Aguilar, Mariana Greif e Pablo Albarenga