Concita Sõpré fala com calma. Pronuncia letra por letra em português e espera com paciência a tradução para o inglês. Está sentada à mesa em um palco no ruidoso salão onde chefes de Estado, representantes de organizações não governamentais e lideranças populares de todas as partes do mundo se dirigem à imprensa na esperança de serem escutados. A caótica mistura de vozes do lado de fora invade a sala e, para quem senta mais longe, é difícil compreender. Mas ela tem muito a dizer para os ouvidos distantes: “A gente preserva para os que virão ainda. Para os meus netos, meus bisnetos. Por isso ainda existe floresta. Por isso ainda existem água limpa e animais”, afirma. “Qual é a parte da nossa fala que o mundo ainda não entendeu?”, questiona.
Concita vê de perto que o tempo da vida não é o tempo da burocracia. Ela está em Cali, na Colômbia, para participar de eventos da COP-16, a Conferência da ONU sobre Biodiversidade, onde governantes do mundo todo discutem como salvar a Natureza que suas próprias sociedades destruíram.
Há dois anos, na COP-15, no Canadá, as nações fizeram um pacto comemorado como ambicioso, o Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal. Planejavam até 2030 ampliar as áreas terrestres preservadas do planeta, de 17% para 30%, e as marítimas, de 10% para 30%. Também restaurariam 30% do que já foi devastado. Para isso, os países desenvolvidos contribuiriam com 20 bilhões de dólares por ano até 2025.
Em 2022, os países tinham oito anos para concluir o plano. Agora, têm seis. Nesta COP-16, chamada nos bastidores de “COP da implementação”, deveriam mostrar seus progressos e alinhar os detalhes de como chegariam lá, mas mal saíram do lugar. Grande parte deles não apresentou sequer um plano de ação para atingir as metas, como havia sido combinado dois anos atrás. E apenas 2% do dinheiro que os países desenvolvidos deviam foi garantido para a preservação até agora. A COP de Cali conseguiu ampliar a participação popular – teve recorde de delegações e de eventos paralelos, com comunidades Indígenas, afrodescendentes e organizações da sociedade civil, que garantiram as maiores vitórias no texto final. Mas não avançou no principal: a garantia do dinheiro para manter a Floresta em pé. Uma oportunidade desperdiçada na trilha do caminho Cali-Belém, a dupla de conferências nos países amazônicos que inclui a COP do Clima que acontece no Pará, em 2025, e também traz grandes expectativas para a Floresta.
Nunca se perdeu tanta vida quanto agora e 75% da terra já foi alterada pela ação humana, segundo a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), um grupo de mais de 150 cientistas. Diminuir a devastação e deixar crescer a Floresta são duas frentes fundamentais para combater a crise climática. Amazônia, Pantanal e Cerrado estão queimando. As secas transformaram dezenas de rios em desertos. Enchentes violentas arrasaram Porto Alegre meses atrás. Enquanto a COP-16 acontecia, inundações mataram mais de 200 pessoas na Espanha.
Concita vive essa urgência e por isso tem pressa. Indígena do povo Gavião, ela passou agosto e setembro combatendo o incêndio que queimou mais de 10% de seu território, a Terra Indígena Mãe Maria, na Amazônia paraense. Além das chamas, outras quatro obras atravessam a área onde seus ancestrais viviam em “Paz com a Natureza”, tema desta COP-16: uma ferrovia, uma rodovia e duas redes de transmissão de energia (uma para casas, outra para indústrias). O desmatamento tirou o cinturão de árvores que diminuía a força do vento, que agora derruba Castanheiras centenárias.
Concita Sõpré falou na COP sobre a urgência da proteção da Natureza. Neste ano, mais de 10% de seu território no Pará foi destruído pelo fogo. Fotos: Talita Bedinelli e Alan Bordallo
Mas o mundo vivido nas salas climatizadas pelo ar-condicionado da COP não tem o mesmo pulso da urgência. Durante as duas semanas do evento, negociadores dos países passaram horas lapidando o documento dos acordos. Discutiram página por página. Palavra por palavra. Até os pontos foram escrutinados. Uma vírgula fora do lugar poderia se transformar em um incidente diplomático e incomodar empresas e farmacêuticas que faziam seu lobby do lado de fora. Quando um assunto parecia andar, um país colocava um colchete no texto – pontuação que marca uma discordância nas COPs. Como os acordos só existem quando há consenso entre todas as nações presentes, colocar colchetes em um tema pode se tornar uma barganha para obter sucesso em outro assunto: “eu te dou isso se você me der aquilo”. Uma tarde ali parecia demorar semanas. Ninguém parecia ter pressa alguma.
Ou quase ninguém.
Viviana Figueroa é uma Indígena Omaguaca, da Argentina. É coordenadora técnica global do Fórum Indígena Internacional sobre Biodiversidade (IIFB, na sigla em inglês), o órgão reconhecido pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) como representante oficial dos Indígenas e comunidades tradicionais nas negociações. A COP da biodiversidade, que acontece a cada dois anos, é o espaço em que as nações discutem e decidem como implementar a convenção, pactuada em 1992 e celebrada como bastante progressista na época ao compreender em seu texto que não era possível discutir a Natureza sem a participação ativa dos Indígenas. Criou-se, então, o IIFB, um grupo de trabalho em que Indígenas e povos locais discutem e avaliam se a convenção está seguindo seus rumos corretamente. O grupo fala nas negociações, ainda que não decida diretamente.
Viviana senta à mesa com representantes das nações. Está atenta às vírgulas e aos colchetes. E à política das entrelinhas.
No quarto dia, chama num canto, tom de voz baixo, Lakpa Nuri Sherpa, Indígena do Nepal, copresidente do IIFB. Pede a ele que marque uma conversa paralela com os representantes de um país específico. A nação, que não pode ser citada por Viviana publicamente por uma questão de diplomacia, travava a negociação e ninguém entendia o motivo. Os Indígenas iniciaram nessa COP-16 um movimento importante. Propuseram que seu grupo ganhasse mais status. Se tornasse, no jargão diplomático, um “órgão subsidiário” – um grupo oficial que subsidia, auxilia, em todos os pontos do tratado. Na prática, teriam mais visibilidade e poder para levar o ponto de vista das comunidades tradicionais aos documentos oficiais. Teriam mais ajuda técnica também. E entrariam para a história como o primeiro órgão subsidiário Indígena em convenções da ONU – a primeira incidência popular direta nas decisões dos países.
“A biodiversidade está em nossas terras e territórios e qualquer decisão que tenha a convenção nos impacta positivamente ou negativamente. Preferimos que as decisões que surjam sejam uma ferramenta para reconhecer os conhecimentos dos povos Indígenas, promover sua participação nos processos de tomada de decisão, estabelecer processos que apoiem o que os povos Indígenas fazem, que é conservar a biodiversidade”, explica Viviana.
Viviana Figueroa é do fórum Indígena que discute com as nações a implementação do acordo sob o ponto de vista dos povos tradicionais. Foto: Nathalia Angarita/SUMAÚMA
Além do órgão subsidiário, os Indígenas tinham outras expectativas para essa COP-16. Uma delas era garantir que as empresas que lucram com as plantas extraídas da Floresta – as informações obtidas das sequências genéticas digitais dos organismos vivos (DSI, na sigla em inglês) – paguem por isso, e que parte desse valor compense os povos tradicionais, de onde muitas vezes saem os conhecimentos milenares que originam os remédios e os cosméticos. Também queriam que uma parte do fundo acordado na COP-15 – aqueles 20 bilhões de dólares por ano dos países desenvolvidos – fosse repassada para as comunidades Indígenas sem intermédio de governos, que muitas vezes têm prioridades distintas daquelas dos que vivem nos territórios.
Ty’e Parakanã, liderança na Terra Indígena Apyterewa, foi à COP-16 para compartilhar sua opinião sobre como o dinheiro deve ser gasto. Ele saiu de seu território-casa na Amazônia paraense, onde o calor se refresca no Rio. Pegou carona em um carro, depois subiu em um ônibus e voou em quatro aviões para participar de alguns dos eventos paralelos à programação oficial – houve centenas deles – e dizer a quem quisesse ouvir que quem destruiu precisa pagar. “Quem financiou o fazendeiro para destruir nosso território tem que nos ajudar para reflorestar porque deixou só destruição para nós”, diz. “Nosso território não tem mais árvores, só tem pastagem.”
Ty’e tem 37 anos. Mas só viveu em “Paz com a Natureza” até os 7.
Há 30 anos, viu sua terra ser saqueada, as árvores em que brincava serem derrubadas, o Rio em que se banhava ser poluído. Seu território virou pasto e o castanhal foi substituído pela monocultura de cacau. A Terra Indígena Apyterewa se tornou a mais desmatada do Brasil. Nela, além dos parentes humanos de Ty’e, vivem cerca de 140 espécies de mamíferos, 121 de árvores, 473 de aves, 75 de anfíbios e 139 de répteis – os dados são de uma plataforma criada pelo projeto-piloto de um novo Centro de Ecologia Tropical, incubado no Instituto Serrapilheira, que ainda não está pública.
Ty’e precisou deixar sua aldeia quando o governo federal começou uma operação para expulsar os invasores no ano passado. Era a única saída segura. As casas, entre elas a sua, acabaram incendiadas por vingança. Uma Guerra contra a Natureza financiada por bancos e fundos de investimento, segundo apontou um relatório da organização Global Witness publicado em setembro deste ano.
Ty’e Parakanã foi à COP explicar que quem financiou a destruição de seu território precisa pagar para reflorestá-lo. Fotos: Anderson Coelho e Christina Noriega/SUMAÚMA
A economia que destrói a biodiversidade continua a crescer a cada ano, mesmo com os esforços das convenções da ONU, aponta um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente divulgado na COP do clima do ano passado. Segundo o estudo, cerca de 7 trilhões de dólares dos setores público e privado são investidos globalmente todos os anos em atividades que impactam negativamente a Natureza, o equivalente a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
Muita gente lucra com a destruição, por isso as discussões são tão demoradas. A COP não é só o que acontece dentro da COP. Muitas vezes, é preciso prestar atenção ao entorno para buscar entender as pressões que mandam nos colchetes do lado de dentro. Muita gente quer continuar lucrando – agora também com a reconstrução.
No 15º andar de um hotel cinco estrelas em San Antonio, área nobre de Cali, um grupo de pessoas vestidas com roupas sociais olhava para um telão que anunciava um painel, também paralelo à programação oficial. Num canto do slide, o título em inglês: Opportunities blossom: How business can profit from natures revival (em tradução livre, “Oportunidades florescem: como as empresas podem lucrar com o renascimento da Natureza”). No outro canto, a imagem de um simpático Sagui-cabeça-de-algodão, macaco de florestas tropicais, morador das árvores altas que estão cada vez mais escassas por conta do desmatamento.
Um outro slide trazia a dica aos participantes. “Como começar com a Natureza? 1. Identificar os frutos mais fáceis de colher em qualquer setor [frutos, aqui, como metáfora]; 2. Encontrar o maior impacto; 3. Reconsiderar soluções existentes; 4. Aplicar novas tecnologias e práticas.” Entre os palestrantes, a diretora de Sustentabilidade e Engajamento Estratégico da Bayer, Natasha Santos. Em janeiro deste ano, a Bayer, que comprou o gigante dos agrotóxicos Monsanto em 2018, foi condenada ao menos quatro vezes nos Estados Unidos a indenizar agricultores que desenvolveram câncer pelo uso do herbicida da empresa, o Roundup. A base do agrotóxico é o glifosato, que foi apontado em um estudo das universidades de Princeton, FGV e Insper como responsável pela morte de 503 crianças por ano nas lavouras de soja do Sul e Centro-Oeste do Brasil, conta uma reportagem da BBC – a Bayer afirma ao veículo que o estudo não é confiável e diz que a segurança de seus produtos é a maior prioridade da companhia. Também nega que o glifosato seja cancerígeno.
No evento de Cali, Natasha foi chamada para falar de inovação. Contou sobre sementes resistentes ao clima, como tomates que poderão crescer no deserto. Questionada por uma pessoa da plateia se haveria algum plano para eliminar o glifosato, tão danoso ao meio ambiente, do portfólio da empresa, respondeu que não. “Ainda vemos a necessidade de químicos na agricultura pela próxima década porque há pestes que não podem ser controladas de outra maneira”, disse.
Empresas discutem as oportunidades para ‘lucrar com a Natureza’ em painel com representante da Bayer (terceira à esq.). Foto: Talita Bedinelli/SUMAÚMA
O painel foi um dos 26 eventos organizados em Cali nos dias da COP-16 pela TNFD, ou Taskforce on Nature-related Financial Disclosures, que traduzindo livremente para o português seria algo como “a força-tarefa para divulgação financeira relacionada à natureza”. Em seu site, o grupo explica: “A sociedade, os negócios e as finanças dependem dos ativos da natureza e dos serviços que eles fornecem. A aceleração da perda da natureza globalmente está corroendo a capacidade da natureza de fornecer esses serviços vitais. Tomar medidas para conservar e restaurar a natureza é agora uma prioridade global crítica.” A “Natureza”, citada por eles quatro vezes neste pequeno parágrafo, é uma fonte de lucro que agora pode secar. Por isso, é preciso agir. É o capitalismo sendo capitalismo: arranja o problema e lucra com a solução.
O Marco de Kunming-Montreal assinado na COP-15 traz 23 metas de ação aos países. A de número 15 é direcionada aos negócios. Ela incentiva as nações signatárias do acordo a tomarem “medidas legais, administrativas ou políticas” para garantir que grandes empresas e instituições financeiras monitorem, avaliem e divulguem de forma transparente seus riscos. A ideia é reduzir progressivamente os impactos negativos dos negócios na biodiversidade, explica a norma.
Em algum momento, os países poderão ter que implementá-la e cobrarão das empresas e dos bancos – os mesmos que hoje ajudam a destruir áreas como a de Ty’e. O indicador adotado oficialmente pela convenção da ONU para avaliar esse cumprimento na COP-15 foi o da TNFD, a força-tarefa para divulgação financeira relacionada à Natureza. Um ano depois, ONGs afirmam que a métrica escolhida falha ao não cobrar das empresas, por exemplo, que revelem informações importantes, como os processos que respondem na Justiça por violações ambientais. “A linha de base da TNFD é relatar como a Natureza impacta o negócio, e não como o negócio impacta a Natureza”, afirma Shona Hawkes, da Rainforest Action Network. Procurada por email, a TNFD não retornou o pedido de comentários.
Mais de 500 negócios já adotaram a iniciativa. Entre eles, a Vale, responsável por duas barragens que se romperam em Minas Gerais, destruindo rios e cidades e matando pessoas, árvores e animais, e que se apossou de 24 mil hectares de terras públicas em Carajás, no Pará, para fazer o maior projeto de minério de ferro do mundo – a Vale nega que as áreas sejam públicas.
Em 2015, o rompimento da barragem de uma empresa da Vale, em Mariana, provocou a maior catástrofe ambiental do país. Foto: Gustavo Basso/NurPhoto via AFP
Letícia Guimarães, analista da Vale para “soluções baseadas na Natureza”, era uma das palestrantes do primeiro evento da força-tarefa em Cali, naquela mesma sala do hotel cinco estrelas. Um protesto a esperava. “Para nós, está muito difícil viver dentro de nosso território sem água. Porque em 5 de novembro de 2015 aconteceu um dos maiores crimes no estado de Minas Gerais (…) que matou quilômetros de Rio de água doce, espécies de peixes. Tirou toda a nossa forma de contato espiritual com a água”, afirmou Shirley Krenak, uma das manifestantes, diante da plateia de empresários, em referência ao rompimento da barragem na cidade de Mariana.
“Nós, povos Indígenas, não somos contra o progresso. Somos contra o progresso que mata, que destrói a biodiversidade. E por mais que vocês estejam aqui se reunindo para buscar soluções econômicas dentro do sistema capitalista, essas soluções não são boas. Vocês estão matando pessoas e matando a biodiversidade”, completou ela. “Não existe o fim do mundo. Existe o fim da humanidade”, alertou.
Em 2019, nova catástrofe, agora em Brumadinho. Na COP-16, a Vale enfrentou o protesto de Shirley Krenak. Fotos: Talita Bedinelli e Michael Dantas/SUMAÚMA
Corrida final
Às vésperas da plenária final da COP-16, ninguém sabia ao certo qual seria o legado daquelas duas semanas de discussão. Os grandes temas estavam emperrados pelos colchetes. Incluindo uma proposta do Brasil e da Colômbia de acrescentar os afrodescendentes ao grupo dos “povos Indígenas e comunidades locais”. Um jeito de reconhecer o papel dos filhos e netos de pessoas escravizadas pela colonização na conservação da Natureza. Mas a União Europeia, o lar dos colonizadores, achou por bem colchetear. Foi acusada de tentar usar o parágrafo como moeda de troca.
Viviana e o fórum Indígena, o IIFB, também se angustiavam com um bloqueio na aprovação do órgão subsidiário Indígena. Organizaram um protesto para pressionar os países – alguns argumentam que o novo órgão aumentaria os custos.
A ativista brasileira Txai Suruí era detida, agredida e encaminhada para uma salinha por policiais do evento por decidir fazer um ato pedindo demarcação de Terras Indígenas, a forma mais lógica de preservação. Ela não tinha autorização – e ali só se protesta com autorização. A ministra Marina Silva precisou intervir para que a COP se desculpasse e liberasse Txai.
Txai Suruí foi detida depois de fazer ato sem autorização em que pedia a demarcação de Terras Indígenas; Marina Silva precisou intervir. Foto: Felipe Werneck/MMA
Shirley Krenak participava do terceiro ato para lembrar que empresas como a Vale devem ser responsabilizadas pelos seus crimes, que não podem ser escondidos em relatórios de sustentabilidade.
Farmacêuticas ganhavam a luta contra a obrigatoriedade de darem parte dos lucros que obtêm com a Floresta.
Países desenvolvidos brigavam com as nações em desenvolvimento porque não queriam criar um novo fundo para depositar os 20 bilhões de dólares que deviam – as nações do Sul Global, especialmente as africanas, se queixam de que o Global Biodiversity Framework Fund (GBFF), que gerencia o fundo atual, privilegia as vozes dos países mais ricos.
Enquanto do lado de fora as coisas esquentavam, dentro das salas de negociação houve um choque: a COP-16 se encaminhava para o fracasso e era preciso, finalmente, acelerar os passos. Países aumentavam as conversas paralelas, cediam às barganhas dos colchetes, fechavam os olhos para palavras dúbias que apaziguavam as farmacêuticas. E algo finalmente andou. Precisou de mais uma madrugada inteira de trabalho e de uma plenária final com 12 horas de duração, encerrada às 9 horas do dia seguinte por falta de quórum suficiente, para que algum progresso fosse feito.
Indígenas conseguiram as principais vitórias: o novo órgão subsidiário foi aprovado. Criou-se também o “Fundo Cali”, onde as indústrias que usam a genética da Natureza para remédios e cosméticos podem depositar uma parte de seus lucros – metade desse valor será destinada a Indígenas e comunidades locais, mas o depósito das empresas será voluntário.
Os afrodescentes também foram incluídos no texto.
Mas o impasse entre os países do Norte e os do Sul Global bloqueou a criação do novo fundo para biodiversidade pedido pelos países em desenvolvimento – essa discussão precisará avançar em um encontro inter-Cop, em 2025, na Tailândia. Ou na COP-17, na Armênia. Ou na COP-18, em outra parte do mundo. Encontros que se somam às COPs do clima – a deste ano no Azerbaijão; e a do ano que vem, em Belém –, onde mais horas de discussão são esperadas no mundo dos colchetes.
O mundo real deverá estar ainda mais quente e instável.
Concita voltou para casa, onde teme enfrentar novamente as chamas. Ty’e, a essa hora, reconstrói ao lado de seus parentes sua nova aldeia, na esperança de que os invasores que vendem bois para multinacionais não voltem a incendiá-la. Shirley retornou ao seu Rio assassinado. Quanto tempo mais terão de colocar seus corpos na defesa da biodiversidade?
Eles precisam que a humanidade escolha, finalmente, escutá-los. Ainda há tempo, mas logo poderá ser tarde demais.
A falta de urgência das COPs contrasta com a emergência do mundo real. É preciso agir rápido para proteger as Florestas. Foto: Pablo Albarenga/SUMAÚMA
A cobertura de SUMAÚMA na COP-16 é uma parceria com a organização internacional Global Witness (@global_witness), que atua desde 1993 investigando, expondo e criando campanhas contra abusos ambientais e de direitos humanos em todo o mundo.
Reportagem e texto: Talita Bedinelli
Edição: Jonathan Watts
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Checagem: Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Tradução para o espanhol: Julieta Sueldo Boedo
Tradução para o inglês: Sarah J. Johnson
Montagem de página e acabamento: Natália Chagas
Fluxo editorial: Viviane Zandonadi
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de Redação: Eliane Brum