Jornalismo do centro do mundo

Diálogos Amazônicos: nos encontros que aconteceram em Belém, povos da floresta ocuparam espaços, assumiram protagonismo e pautaram debates sobre a vida e o planeta. Foto: Carlos Borges/SUMAÚMA

Quando chegaram a Belém no início de agosto para a cúpula dos oito países da Amazônia, as lideranças de movimentos sociais e ativistas da região já sabiam que o documento que seria divulgado pelos governos ficaria aquém de suas demandas. Eles chegavam ali depois de um hiato de 14 anos sem encontros oficiais desse tipo e no contexto de uma floresta muito perto do ponto de não retorno. Sabiam que não havia consenso entre os chefes de Estado que integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) nem sobre a meta de desmatamento zero em 2030, compromisso já assumido por Brasil e Colômbia. E menos ainda sobre a proposta do presidente colombiano, Gustavo Petro, de barrar novos contratos de exploração de petróleo e gás no bioma amazônico, tema que divide o governo brasileiro. Por tudo isso, era imperativo que conseguissem fazer o encontro dos povos da floresta, batizado de Diálogos Amazônicos, ecoar e, assim, garantir que o recado chegasse aos governantes. Se não fossem capazes de fazer com que as intenções avançassem para um plano concreto, a força do chão da floresta poderia pelo menos evitar recuos ainda maiores.

Bandeiras no palco: nos Diálogos, movimentos e organizações sociais deram início a uma jornada que, esperam, os levará até a COP-30. Foto: Carlos Borges/SUMAÚMA

Sabedores de que no governo brasileiro a urgência de frear a catástrofe ecológica e humana convive com os defensores do agronegócio predatório e dos combustíveis fósseis, os movimentos sociais e as organizações não governamentais iniciaram uma jornada que, esperam, possa avançar até 2025, quando a capital do Pará sediará a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-30. São dois anos que veem como uma janela de oportunidade para tentar levar a Amazônia na direção de um novo modelo que poupe a floresta da destruição.

A história de como os movimentos conseguiram que suas propostas mais ambiciosas dominassem as discussões em Belém é reveladora de sua relação próxima, mas repleta de contradições, com o petismo, em sua quinta passagem pelo Planalto – o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, além dos dois de Dilma Rousseff.

As redes que articulam os movimentos sociais dos países amazônicos vinham de um período de retomada pós-pandemia quando, em novembro de 2022, antes de tomar posse, Lula anunciou que convocaria a cúpula para discutir o desenvolvimento “com inclusão social e responsabilidade climática”. Meses antes, em julho de 2022, para apoiar a resistência das organizações brasileiras às políticas antifloresta e anti-indígenas do governo do extremista de direita Jair Bolsonaro, o Fórum Social Pan-Amazônico, a Assembleia Mundial pela Amazônia e a Rede Eclesial Pan-Amazônica haviam realizado em Belém o primeiro encontro presencial do fórum desde 2017.

Os coordenadores dessas redes escreveram uma carta aberta na qual afirmavam que os governos teriam que escutar diretamente as vozes das populações locais. “Cada um fez os seus corres” para alcançar esse objetivo, contou o padre Dario Bossi, assessor da Rede Eclesial Pan-Amazônica e da Comissão para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A ideia chegou aos ouvidos do governo Lula em 2 de março deste ano, num café da manhã em Brasília organizado por dom José Valdeci Santos Mendes, bispo de Brejo, no Maranhão, e presidente da comissão. Ali, o padre Dario conversou com Márcio Macêdo, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. “Começamos a falar da cúpula, e ele achava que deveria ter alguns diálogos da Amazônia com organizações da sociedade civil”, lembrou o ministro.

A conversa resultou na criação de uma comissão com representantes de ministérios e de organizações sociais, incluindo de povos indígenas a trabalhadores rurais sem terra, além do Grupo de Trabalho Amazônico, que reúne cerca de 600 associações da região. A primeira ideia foi realizar, nos dias anteriores à cúpula, marcada para 8 e 9 de agosto, cinco plenárias temáticas para discutir desde a transição energética até a situação dos indígenas. Imaginava-se que umas 500 pessoas iriam. Mas a demanda por participação foi bem maior, e a própria sociedade civil organizou 405 debates. A estrutura teve que ser ampliada para ocupar todo o Hangar Centro de Convenções, um espaço de 24 mil metros quadrados, o equivalente a 2,6 campos de futebol. Também houve debates em outros locais, como o campus da Universidade Federal do Pará. No final, 27 mil pessoas credenciadas passaram pelos Diálogos Amazônicos, entre os dias 4 e 6 de agosto.

Estudantes quilombolas e juventude indígena tiveram forte presença durante os encontros em Belém. Foto: Carlos Borges/SUMAÚMA

O chão da floresta se move. Sozinho

Não houve financiamento do governo brasileiro para a ida a Belém das pessoas que vivem no chão da floresta. Sua viagem foi organizada pela base. As intervenções nos Diálogos levaram uma urgência que não combina com o tempo das barganhas políticas e econômicas. Elas falaram de defensores de direitos humanos que continuam sendo perseguidos, de assentados, extrativistas e indígenas que têm suas terras sistematicamente griladas e invadidas. “Olhem para nós e digam se conseguem dormir sabendo que estão nos matando”, disse Concita Guaxipiguara Sompré, professora indígena em Bom Jesus do Tocantins, no Pará, e administradora da Associação Gavião Kyikatêjê.

O Projeto Saúde e Alegria, que há mais de três décadas atua com a população ribeirinha do Tapajós, apoiou a viagem de cem moradores da região. Organizações dos povos originários trouxeram cerca de mil lideranças. Vanda Witoto, enfermeira, pedagoga e líder indígena baseada em Manaus, contou que 60 parentes de diferentes territórios tinham viajado por conta própria até Belém, vindos das calhas dos rios Solimões e Juruá.

A cacica Panh Ô Kayapó, da aldeia Baú, perto de Novo Progresso, no sul do Pará, viajou de ônibus por quase 700 quilômetros até Santarém e de lá de avião para Belém, onde foi a um encontro organizado pelo Ministério Público Federal sobre os direitos de indígenas e comunidades tradicionais nas negociações com empresas que desenvolvem projetos de créditos de carbono.

Também vieram o coordenador e a vice-coordenadora do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque, Edmilson Oliveira e Claudia Renata Lod, que contaram como os fungos estão matando a mandioca antes da colheita deste ano nas terras indígenas. Eles comemoram a concordância da Petrobras, a partir de mediação do Ministério Público Federal, em iniciar um processo formal de consulta sobre a perfuração na bacia da foz do Amazonas.

De Altamira, veio a ribeirinha Maria Francineide Ferreira dos Santos. No palco principal, diante da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ela falou da “grande dívida do governo do PT com o povo do rio Xingu” após a construção da hidrelétrica de Belo Monte. “Os pescadores foram expulsos do rio, jogados em assentamentos de concreto. Muitos não têm condição de pagar energia, estão doentes, não têm acesso à água potável e estão sendo ameaçados por ‘falarem demais’”, denunciou Francineide.

Veio ainda Manoel Cunha, da comunidade São Raimundo, no sudoeste do Amazonas, veterano das lutas dos seringueiros e gestor da Reserva Extrativista do Médio Juruá. Lá vivem 578 famílias, e a renda do manejo do pirarucu está permitindo a instalação de energia solar. Manoel participou de quatro debates nos Diálogos, quando falou sobre a produção de borracha, de açaí, de óleo de andiroba. “O que já chamaram de economia verde e agora chamam de sociobioeconomia”, expressão que ele acha melhor, “porque as pessoas têm que vir primeiro”, disse.

Concita Guaxipiguara Sampré, professora em Bom Jesus do Tocantins, no Pará, denunciou violências: ‘Olhem para nós e digam se conseguem dormir sabendo que estão nos matando’. Foto: Carlos Borges/SUMAÚMA

Estava tudo dominado… Mas nem tudo

A Declaração de Belém, divulgada em 8 de agosto pelos governos de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, estava sendo negociada havia semanas por diplomatas desses países, sem participação direta da sociedade. O documento ficou praticamente pronto dias antes, como costuma acontecer nesse tipo de reunião. Seu conteúdo ficou muito longe das demandas dos movimentos sociais sobre petróleo, mineração e metas concretas para a conservação da floresta – embora as ONGs ambientalistas tenham saudado a menção, feita quatro vezes, a evitar que o bioma chegue ao ponto de não retorno, como é chamado o momento em que a floresta perde sua capacidade de regeneração e, portanto, já não é capaz nem de regular o clima nem de absorver carbono da atmosfera.

Era sabido que a Bolívia havia resistido ao compromisso com a meta de desmatamento zero da floresta em 2030 e que o presidente colombiano, Gustavo Petro, estava isolado em sua proposta de tornar a Amazônia livre de combustíveis fósseis. A única concessão de última hora feita à Colômbia no texto foi a promessa de “iniciar um diálogo” entre os países “sobre a sustentabilidade de setores como mineração e hidrocarbonetos” na região.

Na cúpula, Petro atuou como uma espécie de grilo falante ao denunciar em seu discurso a submissão da política aos “interesses do capital fóssil” e criticar o “negacionismo progressista”, que adia decisões vitais para conter o aumento da temperatura do planeta em nome do “desenvolvimento nacional”. Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente da Colômbia, explicou que, para seu país, o fim da dependência dos combustíveis fósseis é, além de uma urgência ambiental, um imperativo econômico, porque hoje 40% das exportações colombianas são de carvão e petróleo. “Quando o mundo começar a fazer a transição, os mercados vão se fechar, e vamos cair em um vazio econômico se não tivermos alternativas. Por isso é mais importante que os investimentos possam ir para a transição e não para a exploração”, disse ela.

Além da posição de Petro, dois fatores contribuíram para lançar o petróleo no centro dos debates que vão se desenrolar até a COP-30. Um deles foi a mobilização das organizações equatorianas para a realização do plebiscito que, em 20 de agosto, 12 dias depois da cúpula, aprovou por 59% dos votos o fim da produção petrolífera no parque amazônico de Yasuní. O outro foi a mobilização da sociedade civil brasileira contra o projeto da Petrobras de abrir uma nova fronteira de exploração na bacia da foz do Amazonas.

A carta aprovada pelos movimentos sociais dos oito países em Belém reivindicou que os governos “deixem de promover novas pesquisas e explorações na Amazônia” e se dediquem a um “plano de transição energética justa, popular e inclusivo, com reparação para os povos e territórios afetados”. Outra carta, assinada por organizações indígenas de seis países, pediu “zonas de exclusão da exploração de petróleo”, incluindo Yasuní e a foz do rio Amazonas.

“Lula diz que, se for com jeitinho, dá para explorar petróleo na Amazônia, mas existem outras maneiras de a gente trabalhar o fortalecimento da economia e das populações”, afirmou Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “Os impactos ambientais do petróleo são maiores do que os benefícios econômicos”, insistiu diante dos presidentes o boliviano Pablo Solón, da Assembleia Mundial pela Amazônia.

Kleber Karipuna, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, criticou Lula por dizer que ainda é possível extrair petróleo da Amazônia. ‘Os impactos ambientais são maiores do que os benefícios econômicos.’ Foto: Carlos Borges/SUMAÚMA

Controle social sobre mineração e segurança alimentar

Outras demandas-chave dos movimentos sociais ficaram claras. Pediu-se, por exemplo, maior controle social sobre a abertura de novas lavras da grande mineração e o fim das isenções fiscais para sua exploração. Representantes do Movimento pela Soberania Popular na Mineração defenderam o aumento para 10% dos royalties pagos pelo setor, a alíquota da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) que incide sobre a receita bruta das vendas e atualmente vai de 1%, no caso de substâncias da construção civil (rochas, areia, saibro), a 3,5%, no do ferro. Sobre o ouro incide 1,5% . “Hoje o que chega aos municípios não é usado em projetos que beneficiam a sociedade nem criam alternativas à atividade”, afirmou Charles Trocate, integrante desse movimento. A Declaração de Belém promete combater o garimpo ilegal e o uso de mercúrio na atividade, mas não menciona as reivindicações da sociedade civil relativas à mineração industrial, de alto impacto sobre o meio ambiente e os povos da floresta.

A segurança alimentar foi outro tema contemplado em parte na declaração dos governos, que prometem “fortalecer” os sistemas de produção tradicionais, familiares e comunitários. “Se a política continuar a privilegiar a produção para a exportação em vez da economia camponesa, não teremos êxito na batalha contra a fome”, afirmou Pablo Neri, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e da rede internacional Via Campesina, diante dos representantes dos governos. “A indústria da alimentação pressiona para padronizar a dieta. Precisamos de uma produção e distribuição que leve em conta as diferenças, combata a monocultura e o uso de agrotóxicos”, disse.

Pablo Neri, do MST e da rede internacional Via Campesina, fala sobre a insegurança alimentar dos povos amazônicos: combater o agrotóxico, respeitar as diferenças, vencer a fome. Foto: Carlos Borges/SUMAÚMA

Manoel Cunha contou que a Reserva Extrativista do Médio Juruá aluga frigoríficos em São Paulo, Brasília e Minas para levar seu pirarucu, mas tem dificuldade de vender produtos para a merenda escolar das cidades do Amazonas, onde crianças recebem salsichas e enlatados como refeição. “Isso desvaloriza os costumes locais, bota produtos que não estamos acostumados a ingerir e tira mercado dos produtores extrativistas e rurais”, disse, enfatizando que o consumo desses alimentos ultraprocessados está afetando a nutrição das crianças da região.

Vanda Witoto assinalou seu empenho na reativação da roça indígena, abandonada em muitas aldeias com a chegada de comida industrializada: “Isso muda todo o nosso modo de vida. Nossas tecnologias estão em fazer roça, como na extração do tucupi”.

Os líderes indígenas reivindicaram a desintrusão das terras invadidas e a demarcação de todos os seus territórios até 2025. Números divulgados em Belém pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) mostram que há 127 terras na fase mais adiantada do processo de regularização, que vai da delimitação (48) à espera da homologação pelo governo (12).

Os indígenas expressaram ainda grande preocupação com o narcogarimpo. Num tuíte quatro dias depois da cúpula, ao comentar o assassinato de um candidato à Presidência do Equador, o colombiano Petro disse que as rotas do tráfico de cocaína, que antes ligavam seu país aos Estados Unidos, mudaram de direção, para o sul. Segundo ele, a queda entre os americanos do consumo de cocaína, substituída pelo fentanil, derivado do ópio mais potente que a morfina, fez com que os narcotraficantes intensificassem o uso dos rios amazônicos para levar parte da droga ao Brasil, de onde ela iria para a África e a Europa. A declaração dos governos em Belém previu a criação de um Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, baseado em Manaus, para a investigação e repressão de atividades ilegais.

Numa linha estreita

Aqueles que ajudaram a organizar os Diálogos Amazônicos sabem que caminham sobre uma linha estreita entre a independência e a proximidade do governo Lula. “Precisa de uma interação [entre governo e movimentos sociais], de uma contraparte que em algum momento tenha a capacidade de tensionar”, afirmou o padre Dario Bossi, que por dez anos acompanhou em Açailândia, no Maranhão, as lutas comunitárias contra os impactos negativos da mineração e da siderurgia no Projeto Grande Carajás, iniciado nos anos 1980 e conduzido principalmente pela mineradora Vale.

Para vários analistas, a experiência da incorporação dos movimentos sociais ao governo nos primeiros mandatos petistas, assim como a dependência de recursos governamentais para manter as organizações funcionando, resultou em algo próximo à cooptação. O exemplo mais notório foi o racha das organizações do até então forte movimento social do Médio Xingu, na região de Altamira, no Pará, em torno da construção da desastrosa usina hidrelétrica de Belo Monte. Como parte dos movimentos estava dentro do governo ou era dependente dele, a resistência à construção da usina foi minada, o que permitiu que Belo Monte se tornasse uma referência internacional de destruição ecológica que assombrará para sempre a história do PT no poder e cujos impactos estão bem longe de acabar.

Antes de ir a Belém, Lula esteve em Santarém, onde os rios Tapajós e Amazonas se encontram. Lá, visitou a Unidade Básica Fluvial Abaré, que o Projeto Saúde e Alegria inaugurou em 2006 para atender os ribeirinhos. Em 2010, o modelo foi incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Caetano Scannavino, coordenador do Saúde e Alegria, ajudou a organizar os Diálogos e recebeu o presidente em Santarém. Ele argumentou que o encontro em Belém não foi um fim, mas o início da construção de propostas para chegar à COP-30. “A América do Sul nunca foi muito relevante na agenda global, e quem sabe possa ser a partir da Amazônia”, disse Caetano. “O Brasil pode liderar a luta, mas existem vários governos dentro do governo e um Congresso problemático. A sociedade civil é determinante para empurrar Lula para enfrentar a emergência climática.”

Na avaliação por escrito que fez da cúpula, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) disse oscilar entre a “frustração com a falta de metas comuns de desmatamento zero e de suspensão de exploração de petróleo e gás” e a “perspectiva de mais cooperação” entre os governos da região. “Belém teve dois lados, a declaração dos presidentes na cúpula e as cartas da sociedade civil nos Diálogos Amazônicos. A luta continua”, afirmou a nota da rede de organizações sociais. Para Sila Mesquita, coordenadora do GTA e sua representante na organização dos Diálogos, eles foram “a prova da resistência” dos movimentos.

Marina e a outra Amazônia

A ministra Marina Silva procurou não enfatizar as divergências internas no governo brasileiro e ressaltar o compromisso dos oito países amazônicos de evitar que a floresta chegue ao ponto de não retorno. Cientistas estimam que isso poderá ocorrer se o desmatamento chegar a entre 20% e 25% da vegetação nativa, estágio perigosamente próximo. Um estudo da rede de pesquisadores MapBiomas, divulgado em dezembro, mostrou que, até 2021, a floresta perdeu 17% da vegetação. No Brasil, onde ficam quase 62% do bioma, aconteceu a maior devastação da mata: perda de 21% da cobertura original, seguido por Equador (17%), Bolívia (14,5%), Peru (13%), Colômbia (10,5%),Venezuela (6%), Suriname (3,3%) e Guiana (2,6%).

A ministra Marina Silva tentou não enfatizar divergências internas no governo brasileiro e ressaltou o compromisso dos oito países amazônicos de evitar que a floresta chegue ao ponto de não retorno. Foto: Carlos Borges/SUMAÚMA

Em 9 de agosto, depois da cúpula, Marina Silva foi entrevistada no programa Bom Dia, Ministra, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), do governo, para falar sobre as decisões de Belém. As perguntas que lhe fizeram vieram lembrar que existe uma outra Amazônia, que não consegue imaginar a si própria sem terra desmatada, sem pecuária extensiva, sem monocultura da soja e sem combustíveis fósseis.

Um radialista de Mato Grosso se queixou do “Código Florestal restritivo” e da “imagem de devastador do meio ambiente” que os fazendeiros locais têm no exterior, quando “a grande maioria trabalha de forma legal”. Marina respondeu que precisava trabalhar com o “princípio da realidade” e que a devastação da Amazônia não é “uma questão de imagem”, já que os monitoramentos por satélite mostram onde o desmatamento ocorre.

Outro radialista, do Amapá, reclamou da baixa industrialização do estado e perguntou “o que dizer ao povo amapaense” sobre “as reais chances” de o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima “liberar ao menos a pesquisa que dará essa certeza se temos ou não petróleo aqui debaixo”. Marina repetiu que o Ibama e sua pasta “não facilitam nem dificultam” a prospecção de petróleo, que a análise é técnica, que a Petrobras reapresentou o pedido de licença para perfuração na bacia da foz do Amazonas e que ele será analisado “com todo o senso de responsabilidade”.

O padre Dario Bossi reconhece que a mudança para um modelo que mantenha a floresta em pé e garanta os direitos das comunidades implica uma “revolução cultural”, política e econômica. “A crise climática, que é também ambiental, social, urbana, tem sido respondida com a manutenção do modelo atual, que goza de muitos benefícios, mas é um remédio que a agrava”, afirmou. “Há uma visão curta de busca de recursos. Não é que as pessoas não vejam [o que está acontecendo]. [Mas] Elas têm interesses imediatos e preferem continuar até o limite.”

No Médio Juruá, onde há 55 anos vigia a passagem das estações, Manoel Cunha já constatou que “a água está no nosso nariz e não podemos mais esperar”. Ele testemunha um ecossistema desequilibrado, com cheias e estiagens atípicas. Em 2017, contou, o irmão dele perdeu 70 seringueiras, das quais tirava 5 quilos de látex por dia, um prejuízo diário de 237 reais. “As mudanças climáticas chegam de maneira perversa para nós, que vivemos no ambiente e dependemos da seringa, do açaí, da agricultura, do manejo da pesca”, disse Manoel. “Ou a gente transforma o jeito de usar os recursos naturais, perde essa ganância desesperada da moeda, ou vamos ficar numa situação em que talvez até a gente não consiga sobreviver.”


Checagem: Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Elvira Gago
Tradução para o espanhol: Meritxell Almarza
Tradução para o inglês: Sarah J. Johnson
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Montagem da página: Érica Saboya

Mulheres indígenas dançam e celebram durante a cerimônia de abertura dos Diálogos Amazônicos: objetivo central dos movimentos é frear a catástrofe ecológica e humana

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