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Com perfil de afronta à proteção ambiental e incentivo à depredação da natureza, Ricardo Salles foi eleito deputado federal. Foto: Eduardo Knapp/Folhapress

O resultado do primeiro turno das eleições no Brasil tornou-se um risco iminente para a preservação da Amazônia. Com os novos eleitos no Congresso e nos governos estaduais, só há uma certeza: seja quem for o próximo presidente da República, o país tem pela frente uma grande guerra pela devastação da floresta. O Partido Liberal (PL), por exemplo, legenda do presidente Jair Bolsonaro, elegeu 99 nomes e conquistou a maior bancada da Câmara dos Deputados. Um deles é justamente o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, eleito deputado federal por São Paulo, apesar de seu passado de afronta à proteção ambiental e de incentivo à depredação da natureza. Não por acaso, ganhou a alcunha de “antiministro”. No Senado, o PL também despontou como maioria, conquistando 8 cadeiras.

A bancada amazônica — constituída por políticos eleitos na região — na Câmara Federal perdeu 13 deputados considerados verdes por atuarem em prol de leis a favor do meio ambiente, informa a plataforma Farol Verde. Entre eles, a primeira deputada federal indígena do Brasil, Joênia Wapichana (Rede-RR). Em seus lugares, foram eleitos candidatos alinhados ao governo. O Amapá, por exemplo, elegeu Silvia Nobre Lopes para deputada federal, uma forte aliada do projeto de exploração de terras indígenas e áreas protegidas de Bolsonaro. Ela nasceu na aldeia do povo Wajãpi, de onde saiu aos 14 anos. Atriz, atleta e militar, se apresenta como Silvia Wajãpi ao público, mas na urna dispensou o sobrenome indígena. Os povos originários não a reconhecem como sua representante.

Há riscos grandes diante de uma Amazônia que se “bolsonariza”, observa André Lima, consultor em Política e Direito do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). “Nós perdemos 13 deputados verdes na Amazônia, que eram muito bons”, lamenta. No lugar deles entraram parlamentares do PP, PL e União Brasil, alinhados com o presidente. “Com a nova configuração, perdemos em quantidade, ou seja, no número de votos, e qualidade – os votos ruins ficarão piores.”

Eleita deputada federal por São Paulo, Marina Silva leva ao Congresso a experiência de quem ajudou a derrubar em 80% o desmatamento no país. Foto: divulgação

Se por um lado houve redução de aliados, nomes fortes entraram na Câmara para impor resistência. É o caso da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, e da líder indígena Sônia Guajajara, do PSOL. Ambas foram eleitas deputadas federais por São Paulo. Marina se elegeu com 237.526 de votos dos paulistas e traz para o Congresso o respeito internacional e a experiência como ministra que ajudou a derrubar em 80% o desmatamento no país. Vai contrastar com Ricardo Salles, que ajudou a desmontar os órgãos de fiscalização do meio ambiente, desmanchando o trabalho e os instrumentos de conservação da floresta e outros biomas criados pelos governos anteriores em conjunto com a sociedade civil.

Salles teve 640.918 votos, beneficiado pela exposição mais recente como ministro, e pela máquina pública do governo Bolsonaro. Sua campanha recebeu 740.000 reais de doação de quatro empresários milionários. Dentre eles, Marcelo Ometto e Antonio Eduardo Tonielo, ambos ligados ao setor de cana-de-açúcar, uma das monoculturas responsáveis pela depredação da natureza.

Sônia Guajajara também levará a sua luta internacional para o Congresso, ao lado da líder indígena Célia Xakriabá, eleita deputada federal pelo PSOL por Minas Gerais. Sônia recebeu 156.966 votos, e Célia, 101.154. “Elegeram-se pessoas muito expressivas como indígenas, além de deputados e deputadas negras ligados à luta por direitos. A gente vai ter um embate rico na Câmara dos Deputados”, prevê Márcio Santilli, sócio fundador do Instituto Socioambiental, o ISA.

Mas o futuro da Amazônia será traçado em definitivo com a escolha do próximo presidente do país. “Uma coisa é com Lula presidente, outra é com Bolsonaro”, diz ele. O ex-presidente petista já se comprometeu com a criação do Ministério dos Povos Indígenas e com o fim do garimpo na Amazônia. Lula acena, ainda, com a reestruturação dos órgãos de fiscalização como a Funai, o Ibama e o ICMBio, sucateados nos últimos governos e quase destruídos durante a gestão de Bolsonaro.

A dúvida é saber, caso seja eleito, como o petista iria negociar com uma bancada no Congresso hostil à Amazônia. Os 9 estados que compõem a Amazônia Legal somam 67 parlamentares no Congresso. Nestas eleições, 39 se reelegeram — a maioria com viés ruralista. Um deles é o delegado Éder Mauro (PL), do Pará. O parlamentar bolsonarista foi policial civil no estado por 30 anos, entre 1984 e 2014. Naquele ano, disputou e ganhou a vaga de deputado federal pela primeira vez. De acordo com a Repórter Brasil, a carreira de Éder na polícia culminou em ao menos 101 denúncias na Ouvidoria do Sistema Integrado de Segurança Pública e Defesa Social (Sieds) do Pará. As acusações variam entre assassinatos, torturas e invasões de domicílio.

Como parlamentar, ele desponta como inimigo do meio ambiente, segundo o Ruralômetro, ferramenta criada pela Repórter Brasil, que conta com a análise de 22 organizações especializadas em temas socioambientais. A ideia é avaliar se um deputado federal atua de forma positiva ou negativa para o meio ambiente, trabalhadores do campo, indígenas e populações tradicionais. A plataforma funciona como um termômetro que indica a atuação dos deputados na Câmara, de 2019 a 2022.

Éder vota e atua por propostas como a regulamentação de atividades econômicas de impacto em terras indígenas, ou a autorização da posse de armas em toda a extensão da propriedade rural, e não só na sede da fazenda. Este último projeto virou lei em 2019. Também defende o “PL do Veneno”, que facilita o registro de agrotóxicos no país, permitindo até a venda de substâncias comprovadamente cancerígenas. O texto foi aprovado pela Câmara e aguardava votação no Senado. Procurado por SUMAÚMA, o deputado não respondeu até a publicação desta matéria.

Ao menos 5 estados da Amazônia também terão governadores bolsonaristas. Quatro deles estão sendo reeleitos no primeiro turno. Em Rondônia, dois candidatos ligados ao presidente disputam o segundo turno: Coronel Marcos Rocha (União Brasil) e Marcos Rogério (PL). No Acre, por exemplo, Gladson Cameli (Progressistas) é um dos que assumirá seu segundo mandato em 2023. Cameli se elegeu em 2018 prometendo fazer do agronegócio, predatório para a floresta, o carro-chefe da economia do Estado. Naquele ano, o número de bois no pasto chegava a 3,3 milhões. Em 2021, o Acre superou os 4 milhões de cabeças, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dados do MapBiomas revelam que, em 2020, 84.925 hectares foram desmatados no Acre. No mesmo ano, as terras destinadas ao gado para pecuária aumentaram 84.735 hectares — praticamente a mesma quantidade.

O relatório Amazônia Legal e o Futuro do Brasil, produzido pela plataforma de monitoramento socioambiental Sinal de Fumaça, mostra que, entre agosto de 2019 e julho de 2020, 27.455 hectares de floresta tiveram derrubada e exploração de madeira no estado, com 76% do total concentrado em apenas 10 propriedades rurais. Na campanha pelo segundo mandato, durante uma reunião com madeireiros no dia 29 de setembro, Cameli prometeu “desburocratizar” ainda mais a atividade no Acre.

Em Roraima, Antônio Denarium (PP) foi reeleito com 56,47% dos votos. Defensor do garimpo, Denarium sancionou, entre os anos de 2021 e 2022, leis que visavam proibir a destruição de maquinário de garimpeiros ilegais e permitir o uso do mercúrio, substância altamente tóxica, capaz até mesmo de provocar alterações genéticas – todas anuladas pelo Supremo Tribunal Federal. Na região está a Terra Indígena Yanomami, que sofre inúmeras violências devido à ação de garimpeiros ilegais. Apesar das decisões da justiça, nem o governo federal nem as autoridades estaduais agiram para efetivamente retirar invasores da TI Yanomami; no domingo, dia 2, mais 2 indígenas foram vítimas de violência associada ao garimpo, segundo o líder Yanomami Dário Kopenawa.

Jair Bolsonaro também teve grande vantagem no “arco do desmatamento da Amazônia” – fronteira de exploração predatória que avança em direção à floresta e onde se encontram os maiores índices de desmatamento da floresta. Seu projeto para a região ajudou a engordar a arrecadação de sua campanha. De acordo com o site de jornalismo ambiental ((o))eco, cerca de 180 infratores ambientais na Amazônia Legal são doadores eleitorais do presidente Jair Bolsonaro. Informações do portal Infoamazonia mostram que ele recebeu 3,1 milhões de reais desse grupo para conseguir a reeleição.

Algum equilíbrio nesta guerra movida contra a natureza pode ser dado também no segundo turno. Dos 9 estados amazônicos, 5 elegeram Lula presidente em 2 de outubro. Se vencer, sua prometida política de conservação — inclusive com a nomeação de um ministro indígena para os órgãos de defesa — pode atenuar a tempestade perfeita que se desenha para a Amazônia sob um eventual segundo mandato de Bolsonaro. Isso, sim, seria um desastre completo para o clima, para a floresta e para as novas gerações.

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