Oito homens Parakanã se movem rápido pela Floresta. Passa das 16 horas, e eles precisam finalizar tudo antes de escurecer. Alguns limpam o terreno com vassouras feitas de galhos. Outros serram um tronco de Sapucaia. Em 40 minutos está pronto um acampamento com quinze redes armadas e protegidas da chuva por uma lona no centro da Terra Indígena (TI) mais desmatada do país até 2023, a Apyterewa, em São Félix do Xingu, sul do Pará. Awanene Parakanã, um dos líderes do grupo, está apreensivo, pois mais cedo ouvira o pássaro Tyxa [lê-se Tiêtchá] cantar o próprio nome. Para os que entendem a Floresta, é um sinal de que algo ruim se avizinha.
Numa tarde de outubro, eles reconstroem as aldeias Kaeté e Tekatawa, que precisaram ser abandonadas um ano antes após uma operação do governo federal contra os invasores. A ação expulsou da TI Apyterewa cerca de 3 mil pessoas e retirou aproximadamente 60 mil Bois e Vacas criados ilegalmente ali. As duas aldeias estavam na parte mais invadida pelos criminosos, e permanecer era arriscado. As famílias foram levadas para casas de parentes em outra região da Terra Indígena. E se tornaram exiladas dentro de sua própria terra. Dias depois, Kaeté e Tekatawa acabaram incendiadas por criminosos.
Com a saída dos invasores e a chegada da Força Nacional, a situação tornou-se mais controlada. Chegou a hora de voltar e reconstruir as casas perdidas. Um processo que simboliza também a retomada do território pelos cerca de 700 Parakanã da Apyterewa, que por mais de 30 anos viram pedaço por pedaço da terra de seus ancestrais ser invadido e roubado por madeireiros, grileiros e garimpeiros.
Caçadores Parakanã vigiam o acampamento na Terra Indígena Apyterewa
Mas há batalhas pela frente. Nos quatro anos do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022, a Apyterewa perdeu 32.400 hectares de floresta, área maior do que Fortaleza, capital do Ceará. E muita gente ganhou dinheiro com aquelas terras. Os invasores se conectam a cadeias internacionais de negócios, muitas vezes financiadas com dinheiro de bancos globais. A carne e o couro do gado criado ilegalmente na TI Apyterewa são vendidos para grandes frigoríficos nacionais, com clientes na Europa e nos Estados Unidos. No ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou 85 ações contra fazendeiros que venderam animais criados ilegalmente na terra dos Parakanã usando registros fraudados. Em novembro deste ano, o MPF iniciou mais 25 ações contra os compradores de gado ilegal no local.
O clima entre os Indígenas, no entanto, é de esperança. “Muitas áreas vão ser reflorestadas, não vai mais ter grileiro e queimadas”, celebra Awanene, de 30 anos, cacique da aldeia Tekatawa. Muitos dos que agora refazem suas casas e roças nasceram em um mundo em que os invasores e as ameaças já existiam, ao contrário de seus pais, testemunhas de uma vida sem brancos.
Em outubro, SUMAÚMA acompanhou a volta dos Parakanã para suas aldeias, que começam a ser reconstruídas em uma área próxima da original. Viajou, ao lado deles, por rios e estradas que percorrem a TI Apyterewa para documentar a reconstrução de suas vidas: uma história de resiliência em um território onde criminosos seguem à espreita.
A Terra Indígena Apyterewa foi a mais desmatada do país durante o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro; as áreas em amarelo mostram o avanço do desmatamento. Infográfico: Ariel Tonglet/SUMAÚMA
A diáspora
Quando saíram de suas casas, há um ano, as nove famílias da aldeia Kaeté foram abrigadas na aldeia Apyterewa (de mesmo nome da Terra Indígena). Levaram suas mudas de roupa, alguns utensílios de casa e armas de caça. Outras dez, da Tekatawa, foram para a aldeia Paranomokoa, onde dividiram o espaço com nove outras famílias. Do segundo grupo de exilados, com 37 pessoas, faz parte o cacique Awanene. Ele caminha devagar pela roça temporária que fez na nova morada. Aponta os pés de Mandioca e Batata e justifica: “Não tem Banana porque não daria tempo de colher”.
A Tekatawa foi fundada por ele em 2020. Quando saiu às pressas da aldeia, em 11 de outubro de 2023, logo depois que o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou a expulsão dos invasores, Awanene precisou abandonar sua roça, o igarapé onde viu seus filhos nadarem, e as Palmeiras de onde tirava a cobertura de sua casa. Os criminosos atacaram as forças do governo.
“Nossa preocupação é proteger a Floresta, por isso decidimos voltar”, diz Awanene. Em outubro, ele navegou ao lado de 14 homens até sua antiga aldeia para começar a construir as casas. Foram sozinhos. “Temos que ver se não vai ter mais conflito. Ainda tem fazendeiro por lá.” As mulheres e crianças só chegaram no início de dezembro.
Awanene Parakanã é cacique da aldeia Tekatawa e planeja ajudar a cuidar dos 35 mil pés de cacau que estão dentro da TI Apyterewa
A pressão de grileiros, garimpeiros e madeireiros contra o povo Parakanã começou na primeira metade do século 20 e se manteve após os primeiros contatos oficiais da Funai na década de 1980. Duas demarcações de terra foram feitas pela União: em 1992 e 2005. Os cerca de 980 mil hectares iniciais acabaram sendo reduzidos por pressão política, e o governo recuou, definindo a área nos 7743 mil hectares atuais.
A homologação da TI, em abril de 2007, não interrompeu o avanço da pecuária. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até julho de 2024 a Apyterewa tinha perdido 6,28% de floresta nativa.
“É uma história do Brasil comprimida. A exploração feita em 500 anos se passou em 50 anos na Apyterewa”, diz Carlos Fausto, antropólogo e professor do Museu Nacional da UFRJ, que acompanha os Parakanã desde 1988. “Temos uma oportunidade histórica de retomada do território e da dignidade de um povo Indígena. O governo precisa aproveitar essa janela, que não costuma durar muito, e agir de forma correta. Caso contrário, eles serão os primeiros afetados, mas nós também, como sociedade”, alerta.
Apesar da violência histórica, os Parakanã conseguiram manter sua cultura e são considerados pela Funai como Indígenas de recente contato. Apenas jovens e alguns adultos falam português, e em geral cabe aos homens a comunicação com os toria, os não Indígenas.
Mas isso tende a mudar nos próximos anos, diz Wenatoa Parakanã, de 32 anos, presidenta da Associação Indígena Tato’a e primeira mulher a ocupar uma posição de liderança. Grávida do quarto filho, ela já participou de eventos no Brasil e no exterior para falar sobre seu povo. “A mulher Parakanã sempre teve o papel de cuidar das crianças. Estamos incentivando mulheres e meninas a falarem mais, e logo teremos novas lideranças femininas surgindo”, afirma.
A septuagenária Mixaga Parakanã, anciã da Tekatawa, foi uma das poucas mulheres que falaram conosco. Enquanto fazia cestas de fibra de Tucum – marca dos Parakanã – na oca central da aldeia Paranomokoa, animava-se com a expectativa de voltar para casa. “Aceitei a mudança porque um dos meus filhos morava aqui e ia nos receber, mas estou feliz com o retorno para casa”, disse a anciã, cuja fala foi traduzida por Awanene.
Koxia’a Parakanã, de 41 anos, estava com oito meses de gestação quando arrumou os pertences da família com o marido, Axiá, de 46 anos, e os outros oito filhos para sair às pressas da Tekatawa. Daniel, o nono filho, nasceu na aldeia anfitriã, no início de novembro de 2023. Hoje eles dividem a casa com outras cinco famílias. Na nova aldeia, pela primeira vez terão uma casa só deles.
Tímida, Koxia’a, que só falou porque estava ao lado do marido, disse ter medo dos invasores. Axiá lembrou que, na antiga aldeia, os invasores ameaçavam quando os Parakanã passavam na única estrada de acesso. “Grileiro falava para não passar, mas a nova aldeia vai ajudar a proteger o território”, afirmou.
No dia seguinte, os homens partem para o acampamento para começar a construir as novas aldeias. As mulheres vão à beira do Rio Xingu se despedir dos maridos e dos filhos. Na ausência deles, elas cuidarão das casas, das crianças e dos idosos.
A travessia
A jornada começa subindo o Rio. Da Paranomokoa até o porto de acesso à estrada onde a Funai oferecerá transporte por terra, são cerca de 50 minutos de voadeira, uma embarcação movida a motor com capacidade para até 20 passageiros. A viagem poderia ser feita na metade do tempo, mas a seca histórica faz aflorar as pedras do Rio, e a navegação exige extremo cuidado. “É a primeira vez que vejo o Xingu tão seco. Semana passada um barqueiro rachou o pé do motor porque bateu nas pedras”, explica Everaldo Vieira da Silva, barqueiro contratado pela Funai para transportar os Indígenas.
Onze Parakanã partiram conosco da Paranomokoa. Nas outras duas paradas, nas aldeias Paranoeté e Raio de Sol, sobem quatro Indígenas. A voadeira lota. Mesmo com o jeito discreto dos Parakanã, é possível perceber que estão animados com o início da retomada do território.
Alguns passageiros não são das aldeias a serem reconstruídas. Trabalharão na construção de uma casa de apoio para abrigar parentes de passagem pelo lugar. Com uma mochila e uma espingarda calibre 20, Tuwanguira, de 22 anos, ajudará na alimentação dos parentes. “Enquanto outros trabalham na construção das casas, vou caçar Porcão, Paca, Mutum e o que mais der para encontrar lá”, diz.
Homens Parakanã viajam pelo Rio Xingu e depois por estradas de terra para ajudar na reconstrução das aldeias
No porto improvisado às margens do Xingu, outro grupo espera. Surara Parakanã, de 54 anos, foi até lá de moto e justifica a pressa em iniciar a construção das novas aldeias: “Esperamos 30 anos para ver a desintrusão [saída dos invasores], agora estamos preparados para tomar conta do nosso território”.
Em terra firme, mais duas horas de estrada de chão. Duas caminhonetes da Funai transportam o grupo, e Surara segue de moto.
“Nosso papel é de apoio operacional. No ano passado os Parakanã da Tekatawa e da Kaeté saíram de casa para diminuir o risco de conflito, mas agora podem retornar para refazer as aldeias e continuar a vida”, diz, ao volante de uma das caminhonetes, Cleiton Gabriel Da Silva, coordenador da Frente de Proteção Ambiental do Médio Xingu da Funai, unidade que atua com povos de recente contato. Ele organizou as operações da Funai para a retirada dos Parakanã no ano anterior e agora cuida do retorno deles.
Ao volante da outra caminhonete está Eimar Araújo, de 71 anos, ex-servidor da Funai que deixou os dias de descanso pela segunda vez desde 2019, quando se aposentou. A primeira foi no ano passado, ao colaborar com a remoção dos Parakanã das aldeias. Araújo serviu à Funai por quase quatro décadas e se diz “dos tempos do Específico Pessoa” – antídoto contra o veneno de animais peçonhentos. Foi com o povo Parakanã que trabalhou pela primeira vez com Indígenas de recente contato, na década de 1980. Aposentou-se no primeiro ano do governo Bolsonaro, ao perceber que não teria como trabalhar perto dos Indígenas que conhecia tão bem.
“Sobrevivi a oito malárias nos anos de Funai”, brinca. As lideranças Parakanã pediram a ele que acompanhasse a operação. “Agradeço a confiança, por isso deixei de novo a aposentadoria e vim ajudar”, diz Araújo, ciente de que acompanha um momento histórico do povo que o trata como parente.
São cerca de 70 quilômetros de estrada de terra com buracos e pontes precárias até a base da Funai, no limite do território ao sul, e depois mais 12 quilômetros de um percurso ainda pior até o acampamento. Nesse trajeto, o comboio é escoltado por uma viatura da Força Nacional – sinal de que o clima está longe de ser pacífico.
Na base da Funai, servidores mostram armadilhas que invasores colocam nas estradas, apetrechos cheios de pregos e vergalhões de aço para rasgar os pneus das caminhonetes. Em apenas um mês, a base registrou mais de 60 pneus furados. A nossa caminhonete teve dois pneus furados por pregos.
Pontes destruídas, além de armadilhas com pregos nas estradas, são marcas da ação dos invasores para dificultar as operações da Funai
Apenas veículos com tração nas quatro rodas conseguem vencer os 12 quilômetros finais até o acampamento. Além do terreno irregular, o mato avançou sobre a estrada e os veículos são espremidos pelos galhos. Duas máquinas de escavação e limpeza de terreno foram contratadas pela Funai para arrumar a via nos próximos dias e ajudar na construção das aldeias.
Dos dois lados da estrada há cercas e pasto. A vegetação chega a 1 metro de altura em diversos pontos. Há também três pontes no caminho, todas quebradas. As cinzas e o corte de motosserra em uma delas evidenciam a destruição proposital. “Além das armadilhas para furar pneus, os invasores destruíram as pontes. Vamos refazer a estrada para facilitar a reconstrução das aldeias e a fiscalização”, explica Silva, da Funai.
No acampamento, o grupo se junta aos parentes que chegaram dois dias antes, muitos da antiga Kaeté. Ao todo, são 35 homens Parakanã que, nos próximos meses, vão limpar terrenos, cortar árvores de Sapucaia e fazer casas cobertas com folhas de Babaçu. Cacique da Kaeté, Tatuaru Parakanã, de 46 anos e pai de seis filhos, quase sempre sério, abre um sorriso quando fala da expectativa. Eles planejam construir uma casa para cada família, além do posto de saúde e uma escola. “Queremos trabalhar, fazer a nossa roça”, diz.
Os trabalhos começam no mesmo dia da chegada ao acampamento, 18 de outubro, mas os Parakanã ainda não estão em paz. Como o pássaro Tyxa avisou, algo ruim estava por vir.
A retomada
Awanene é um dos primeiros a pegar o facão para limpar o terreno e construir a barraca onde o grupo vai dormir. Na barraca ao lado há pedaços de carne de um Porcão caçado pelos parentes que chegaram na véspera.
Mas não foi apenas caça que eles encontraram. Divididos em pequenos grupos para rondas em turnos ao longo da madrugada, descobriram rastros de dois invasores e conseguiram detê-los. “Eles não reagiram, depois disseram apenas que estavam procurando coisas nas fazendas abandonadas”, conta Tatuaru. Os dois homens foram entregues à Funai, que os conduziu à delegacia da Vila Taboca, distrito de São Félix do Xingu.
Na tarde do dia 18, os Parakanã encontraram um homem armado na mata. Menos de três horas depois, acharam mais dois homens e uma mulher. Não houve conflito, e os Parakanã acionaram a Funai para buscar os intrusos. Na manhã seguinte, no caminho até o acampamento, os agentes da Funai esbarraram com um quinto invasor, montado a cavalo.
Foram sete intrusos no território Apyterewa em apenas três dias. Ainda na manhã do dia 19, os cinco invasores, todos moradores da Taboca, foram levados até a delegacia. Apenas o homem armado com uma espingarda calibre 20 ficou preso; os demais assinaram termos circunstanciados e foram liberados. O homem armado disse que entrou na TI para “ver um gado que era seu” – mas é proibido criar gado em territórios Indígenas. No último dia 17 de dezembro, a área de retomada foi atacada a tiros por homens em caminhonetes. As balas furaram as casas recém-erguidas e as redes em que os Parakanã dormiam. Ninguém ficou ferido, mas todos ficaram apreensivos.
Do acampamento até a Taboca, há mais pasto do que floresta. São Félix do Xingu se orgulha de possuir o maior rebanho do país, com mais de 2,4 milhões de cabeças de gado em 2023, segundo o censo agropecuário do IBGE – 37 bois para cada um dos 65 mil habitantes. É também o município campeão em focos de incêndio – o fogo é geralmente usado para devastar a floresta e abrir o pasto para os animais.
Criação de gado perto da Terra Indígena Apyterewa – a pecuária é o maior vetor de desmatamento na região
Sexto maior município do Brasil, São Félix do Xingu tem área equivalente a 55 vezes à da cidade de São Paulo. Nas últimas eleições, trocou um prefeito que apoiava os invasores da TI Apyterewa por um ainda mais alinhado com a agenda bolsonarista e que teve o senador Zequinha Marinho (Podemos) como principal fiador eleitoral. Em 2007, o senador apresentou um projeto no Congresso para reduzir a TI.
O tronco de uma Castanheira derrubada no meio da principal estrada de acesso à Taboca é mais um lembrete de que na região a ideia de progresso está ligada à destruição da floresta. Além de pastos, há garimpos de ouro e cassiterita perto dos limites da Apyterewa. Muitos são ilegais e, mesmo após operações da PF, voltam a operar nos dias seguintes.
No dia 19 de outubro, SUMAÚMA flagrou uma draga de garimpo ilegal na estrada que leva ao território Parakanã, a menos de 3 quilômetros da Terra Indígena. Desde a década de 1980, não há permissão para a exploração mineral registrada na Agência Nacional de Mineração naquela região.
A mineração ilegal tem forte impacto na Apyterewa, principalmente nos cursos d’água, e prejudica o abastecimento de água potável em algumas aldeias. O Igarapé São Sebastião, ao sul, tem água barrenta por causa da terra remexida pelo maquinário dos garimpos. No norte, o Igarapé Bom Jardim também está poluído pelos garimpos, relata Silva, da Funai.
Garimpos ilegais de ouro e cassiterita poluem rios e igarapés da TI Apyterewa – SUMAÚMA fotografou um deles
Outro alvo da cobiça na Apyterewa é o Cacau – na TI há 35 mil pés em plantações herdadas dos invasores e agora mantidas pelos Parakanã. Em julho, pistoleiros fizeram Indígenas de reféns enquanto roubavam os frutos, que tiveram forte valorização nos últimos meses.
A localização das novas aldeias – a 40 quilômetros das antigas – foi definida para ficar perto das plantações, pois o Cacau agora servirá de fonte de renda para os Parakanã. A Funai e as associações parceiras vão orientar sobre a melhor forma de plantar e colher o fruto. O cacique-geral da TI Apyterewa, Mama Parakanã, de 48 anos, diz que a casa de apoio que vão erguer perto das aldeias será útil. “Em julho, época da colheita de Cacau, parentes de outras aldeias vêm, a casa vai abrigar eles. Esse Cacau vai ajudar na renda de todos”, resume.
Mama é discreto e só deu entrevista no terceiro dia de acampamento. Ele afirma que espera apoio do governo e que os Parakanã precisam fazer sua parte: “Ainda tem invasor no território, mas não podemos baixar a cabeça. Temos que defender a terra e cobrar apoio da Funai porque ela é nossa, não do fazendeiro que invade”.
No último dia no acampamento, os Parakanã saem para caçar. O inverno amazônico, com seus famosos torós, ainda não começou, mas choveu na véspera, e a estrada enlameada exige atenção. Há árvores no caminho, algumas derrubadas de forma proposital pelos invasores. São as armadilhas sobre as quais os agentes da Funai alertaram.
Antes da caçada, Awanene compartilha um áudio com o canto do pássaro Tyxa. Dessa vez, assegura, não haveria motivo para preocupações, pois, quando o pássaro sagrado canta em vez de dizer seu nome, é sinal de que algo bom vai acontecer. Apesar do bom agouro, em menos de 30 minutos na mata os Parakanã encontram rastros de um invasor, um pacote de fumo e pegadas.
Os caçadores se dividem em dois grupos. Na frente vão os mais experientes, e não demora para se ouvir o tiro de espingarda. Mama derrubou um tapirangawam (cabeça de gado, na língua Tupi-guarani).
“Tyxa trouxe boa sorte para a caçada”, comemora Awanene. O tiro abateu uma Vaca de pelo menos 400 quilos, deixada para trás pelos fazendeiros.
Os Parakanã ainda vivem em um ambiente ameaçador. Além dos soldados da Força Nacional, agentes da Polícia Federal eram aguardados na base da Funai, pois há gado criado ilegalmente e criminosos queimando a floresta na TI, mostram operações recentes.
Na volta para o acampamento, a palavra mais ouvida entre os Parakanã é katoeté – usada como cumprimento, indicando que está “tudo bem”. Mas os Indígenas envolvidos na retomada do território sabem que há um caminho longo para que isso vire realidade. “Agora está katoeté pipi”, explica Surara, indicando uma “felicidade pequena”. Quando não houver mais invasores e a Floresta for recuperada, aí sim eles poderão dizer “katoeté retá” – uma felicidade grande e completa.
O amanhecer verde na vista aérea da aldeia Paranomokoa, na Terra Indígena Apyterewa
Reportagem e texto: Hyury Potter
Edição: Fernanda da Escóssia
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Checagem: Douglas Maia
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Infográficos: Ariel Tonglet
Montagem de página e acabamento: Natália Chagas
Coordenação de fluxo editorial: Viviane Zandonadi
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de Redação: Eliane Brum