Nossa Voz
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Os movimentos sociais parecem ter aprendido a lidar com Lula
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Querida comunidade,
Como seria um terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva depois de um intervalo de 12 anos, entre janeiro de 2011 e janeiro de 2023 – e de um outro intervalo de seis anos e meio sem o PT no poder, período que abarcou um impeachment, um vice golpista e ainda o fascismo de Jair Bolsonaro por quatro anos?
Aquele mundo que Lula deixou no fim de 2010 é muito diferente deste em que voltou ao poder, em 2023. Como ele lidaria com isso, nas condições precárias de ter retornado ao Palácio do Planalto depois de uma vitória apertada e sustentado por uma frente ampla que faz jus ao nome? Como negociaria com um Congresso predatório e que, na maioria dos temas, pode ou não ser hostil conforme a liberação de verbas aos parlamentares, mas que parece ser de fato mais ideológico no conservadorismo das pautas culturais, em especial as que envolvem gênero e raça?
Havia muitos pontos de interrogação – e ainda há. Mas pelo menos uma resposta já se desenha com mais clareza: os movimentos sociais parecem ter aprendido a não se deixar cooptar, como nos governos anteriores do PT. As lideranças indígenas, pela primeira vez com cargos de primeiro e segundo escalão no poder central, têm se esforçado para marcar uma diferença entre “estar” no governo e “ser” governo.
É ainda muito cedo para saber que rumos essas relações vão tomar, mas o aprendizado é evidente. E o momento em que ele ficou mais explícito foi nos Diálogos Amazônicos, que precederam a Cúpula da Amazônia e foram realizados em Belém no início deste mês de agosto. Quase 30 mil pessoas da sociedade civil organizada e dos movimentos indígenas ocuparam a capital do Pará, futura sede da COP-30, em 2025. Isso representou um bafo popular na nuca de Lula, que talvez viva um momento novo em sua longa carreira política. Ele tem o apoio da maioria dos movimentos de base, mas é um apoio muito menos incondicional do que foi nos governos anteriores. É um apoio tático e cauteloso, um apoio até a página 2, que depende das próprias ações do governo.
É possível pensar que hoje, quando quase metade dos eleitores brasileiros votou em um fascismo fortemente representado no Congresso, Lula depende mais dos movimentos sociais do que os movimentos sociais dependem dele. Ao manter a saudável – e saudável para ambas as partes – distância do governo, mesmo que com apoio a ele, os movimentos mostram um amadurecimento da experiência democrática e mostram também que aprenderam a resistir em condições extremas – as de ter um governo genocida, o do extremista de direita Jair Bolsonaro, durante uma pandemia. Ao mesmo tempo que a experiência foi brutal, ela ensinou a sociedade organizada a se unir apesar das divergências (ainda que em alguns casos possa estar se esquecendo disso neste momento) e a encontrar formas próprias de resistir na oposição ao governo, enfrentar as adversidades, criar outros instrumentos de luta e finalmente sobreviver.
Todo esse aprendizado parece se refletir hoje neste momento delicado vivido pelo Brasil, em que nada está garantido, já que no chão da Amazônia a guerra continua e em todo o Brasil as forças fascistas se preparam para garantir sua continuidade nas estruturas de poder das cidades, no pleito de 2024, e retornar ao poder central em 2026. A sociedade civil organizada sabe que não pode baixar a guarda em nenhum cenário. Esse é o sentido da reportagem de profundidade feita pela repórter especial de SUMAÚMA Claudia Antunes, que acompanhou os gestos e as falas dos Diálogos Amazônicos desde dentro para entregar aos nossos leitores uma análise que vai além da cobertura factual.
Segundo matéria da Folha de S.Paulo, Lula estaria reclamando do “clima morno” dos movimentos sociais. Em parte porque desde as manifestações do Junho de 2013 ficou claro que o PT tinha perdido as ruas, muito por haver acreditado que a permanência no poder era garantida e não precisava mais trilhar os caminhos das bases. A realidade mostra, porém, que o clima não foi nada morno nos Diálogos Amazônicos, que antecederam à Cúpula da Amazônia. O problema é que, no que se refere à exploração de petróleo na Amazônia, a posição majoritária dos movimentos sociais é contrária à de Lula e de parte de seu governo. Se Lula quer movimentos sociais que se comportem como pets do governo, neste caso não vai conseguir.
Esta newsletter está sendo publicada excepcionalmente nesta terça-feira – em vez de na quinta – porque SUMAÚMA entra agora em uma semana de avaliação e planejamento para os próximos anos. Nossa equipe continua comprometida com a comunidade de leitores, garantindo informação de profundidade e apurada com rigor, para que cada pessoa possa se posicionar com responsabilidade diante dos desafios de seu tempo. Como Guariba e Tuca, que estão no sexto episódio de sua jornada, seguiremos de olhos bem abertos.
Boa leitura,
Eliane Brum
Semeadora e diretora de SUMAÚMA |
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