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Dor: na Amazônia, com a destruição das florestas para virar pasto, os bois são as vítimas esquecidas desse ciclo cruel. Foto: Lela Beltrão/SUMAÚMA

Os seis frigoríficos da Amazônia Legal autorizados a exportar carne bovina para a União Europeia fizeram pouco ou nada para se adaptar às exigências da Lei Antidesmatamento (EU Deforestation Regulation, EUDR, em inglês) do bloco econômico que deveria entrar em vigor em 30 de dezembro deste ano. Estudo inédito do Radar Verde, ao qual SUMAÚMA teve acesso, mostra que nenhuma das exportadoras – Agra Agroindustrial de Alimentos, JBS, Marfrig Global Foods, Minerva, Naturafrig Alimentos e Vale Grande Indústria e Comércio de Alimentos (Frialto) – implementou sistemas capazes de controlar 100% de seus fornecedores indiretos, ou seja, as fazendas que vendem ou transferem gado da região amazônica para outras propriedades ou intermediários. Apenas a Marfrig já começou a mapear a cadeia indireta, e 63% das plantas frigoríficas de todas as empresas analisadas no estudo têm controle sobre fornecedores diretos.

Essas empresas, concentradas no estado de Mato Grosso, têm oito plantas frigoríficas e uma capacidade total de abate de 5.870 animais por dia. Elas acabam de ganhar um tempo extra para, na prática, continuar comprando carne de área desmatada. Isso porque um grupo de 17 países, entre eles o Brasil, assumiu o lobby de seus exportadores e pediu o adiamento da lei que colocaria um fim no aval do consumidor europeu à destruição das florestas.

Abate: a ausência de monitoramento da rede indireta de fornecedores dos frigoríficos permite a ampliação do desmatamento. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Com a extensão do prazo para a implementação da Lei Antidesmatamento da União Europeia, cada uma das exportadoras vai poder continuar operando em uma região com, no mínimo, 100 mil hectares de exposição ao risco de desmatamento. Para se ter uma ideia do que esse número representa, imagine toda a área da cidade de Belém. Agora multiplique essa área por cada um dos seis frigoríficos. Esse é o potencial de devastação de floresta que essas empresas, juntas, ainda podem causar em sua cadeia de produção de carne caso medidas rígidas de controle não sejam tomadas. A estimativa, feita pelo Radar Verde, é conservadora e considera a área de operação dos frigoríficos.

A Comissão Europeia apresentou, no dia 2  de outubro, a proposta de concordância com o adiamento da Lei Antidesmatamento para 2026, o que beneficia também quem exporta cacau, café, óleo de palma, borracha natural, madeira e soja. Grandes produtores, como é o caso dos frigoríficos, ganharam mais 12 meses para se adaptar às novas normas, enquanto pequenos têm pelo menos mais 18 meses. Falta apenas uma votação simbólica no Parlamento Europeu para confirmar essa decisão, já validada também pelo Conselho da União Europeia em 16 de outubro. A data da votação no Parlamento Europeu está marcada para 14 de novembro.

O estudo inédito do Radar Verde sobre a exportação para a União Europeia foi concluído a partir de dados coletados em 2023. O projeto, mantido pelas instituições O Mundo que Queremos e Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), mostra aos consumidores e financiadores quais frigoríficos têm controle e transparência sobre sua cadeia produtiva, ou seja, se contribuem ou não com o desmatamento na região da floresta.

“O que estamos vendo é um ecossistema de leniência para garantir que carne contaminada com desmatamento continue a ser exportada”, afirma Paulo Barreto, pesquisador associado do Imazon. Segundo ele, esse sistema envolve desde quem desmata até as fazendas que produzem em áreas ilegais, passando, obviamente, pelos frigoríficos que compram dessa produção, por financiadores que dizem estar comprometidos com soluções e pelo próprio  governo, que nem sempre atua com a devida transparência.

Infográfico: Rodolfo Almeida/SUMAÚMA

Os pesquisadores do Radar Verde chegaram ao indicador de risco de desmatamento após uma análise, feita a partir de informações dadas pelos setores de compras das próprias empresas, de qual é a extensão da área, em quilômetros, em que frigoríficos adquirem o gado. Com esses dados, foi feita uma modelagem estatística considerando todas as rotas possíveis – rios navegáveis, estradas oficiais e não oficiais – para se chegar ao tamanho da zona de compra de gado. Sobre esse número foi calculada a exposição ao risco de desmatamento, considerando variáveis como embargo ambiental na zona de compra, desmatamento já realizado na região e desmatamento legal previsto nessa área.

O Radar Verde convidou todas as exportadoras para comprovar o controle sobre sua cadeia de fornecedores no ano passado. Apesar de a transparência na divulgação de informações sobre a obtenção de produtos de áreas com alto risco de desmatamento ser uma das especificações da União Europeia, nenhuma das empresas respondeu ao questionário.

SUMAÚMA procurou todos os frigoríficos e pediu dados sobre os fornecedores. Em nota enviada por email, a Marfrig informa que já atende aos principais aspectos da nova legislação da Europa, especialmente a rastreabilidade. “A companhia monitora 100% de seus fornecedores diretos em todas as regiões brasileiras. Neste ano, atingiu taxas de monitoramento entre indiretos de 87% no bioma Amazônia e de 73% no Cerrado e tem a meta de atingir 100% de rastreamento até 2025.  Essas são as maiores taxas do setor em controle de indiretos no Brasil.” De acordo com a Marfrig, todos os fornecedores indiretos localizados em áreas de maior risco já estão 100% monitorados pelo Mapa de Mitigação de Riscos Socioambientais, uma ferramenta da empresa que cruza dados de distribuição da pecuária nos biomas com áreas com risco de desmatamento, vegetação nativa remanescente, regiões de conflitos sociais, territórios Indígenas e Quilombolas.

A JBS também informou por email que, desde 2009, faz o monitoramento geoespacial de potenciais fornecedores. “A Política de Compras de Matéria-Prima da JBS proíbe a compra de propriedades com desmatamento ilegal, áreas de embargo ambiental, unidades de conservação e terras indígenas ou quilombolas, entre outros requisitos, como estar na Lista Suja do Trabalho Escravo”, afirma. Em 2021, a JBS criou a Plataforma Pecuária Transparente, que permite que os fornecedores diretos apliquem os mesmos critérios socioambientais exigidos pela empresa aos seus próprios fornecedores de animais. A partir de 1º de janeiro de 2026, diz a empresa, somente os produtores que estiverem na Plataforma poderão vender bovinos para a JBS.

As demais empresas citadas no estudo Radar Verde União Europeia não responderam ao contato da reportagem.

Infográfico: Rodolfo Almeida/SUMAÚMA

Sinais trocados dentro do governo

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima reforçou o controle sobre a pecuária após a volta de Marina Silva ao comando da pasta, em 2023, com o objetivo de combater a emergência climática provocada pela emissão de gases na atmosfera com essa atividade. No entanto, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), ponto-chave dessa discussão, argumenta que a legislação europeia terá pouco ou nenhum impacto no combate ao desmatamento, pois exigirá que o fornecimento de produtos agropecuários venha de áreas sem desmatamento desde 2020, algo que, segundo os gestores atuais do ministério, em grande parte já é cumprido atualmente. Como destaca o estudo do Radar Verde, a agropecuária é responsável pela emissão de 27% dos gases de efeito estufa no Brasil – sendo 22% apenas da pecuária, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg).

A pressão do governo brasileiro para adiar a Lei Antidesmatamento contou com a atuação direta do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, do PSB, que é também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e dos ministérios da Agricultura e das Relações Exteriores. Alckmin afirmou que o Brasil é “exemplo de energia renovável e de combate ao desmatamento ilegal” e que esse adiamento era necessário para que o governo brasileiro demonstrasse isso às autoridades europeias.

Em resposta a SUMAÚMA, o ministério comandado por Alckmin assegurou que “o compromisso do governo brasileiro com o combate ao desmatamento é inequívoco” – entre agosto de 2023 e julho de 2024 houve a maior queda histórica proporcional já registrada de desmatamento na Amazônia, de 45,7%. A meta de zerar o desmatamento no bioma até 2030 está mantida, garante o governo. “O que o governo brasileiro e outros países cobram é mais clareza em relação a critérios, métricas, sistemas de aferição e outros pontos da legislação europeia, e que esses critérios sejam baseados em ciência, de maneira que a medida alcance de fato seus objetivos declarados e não venha a se configurar em mecanismo unilateral de protecionismo verde camuflado de boas intenções ambientais”, diz a nota.

Já o Ministério da Agricultura informou a SUMAÚMA que seu posicionamento é muito claro desde a fase inicial de discussões da legislação em Bruxelas. A Lei Antidesmatamento, diz mensagem da assessoria de imprensa da pasta, “é um instrumento unilateral e punitivo, que desconsidera as legislações nacionais de combate ao desmatamento”. Na visão do ministério, a regra imposta pela União Europeia “possui aspectos extraterritoriais que violam o princípio da soberania, estabelece um tratamento discriminatório ao afetar desproporcionalmente países com recursos florestais, aumenta o custo do processo produtivo e exportador, especialmente para pequenos produtores, e viola princípios e regras do sistema multilateral de comércio, além de compromissos firmados nos acordos ambientais multilaterais”.

A Lei Antidesmatamento europeia realmente não considera as particularidades do Código Florestal brasileiro, um conjunto de leis que regulamenta a utilização e a proteção das florestas, com o objetivo de conciliar o desenvolvimento econômico, especialmente no setor agropecuário, com a conservação ambiental. A primeira versão dessa lei foi instituída em 1934, mas a legislação passou por várias modificações, sendo a mais significativa a reforma de 2012. A regulação nacional permite o desmatamento legal, ou seja, a remoção autorizada da vegetação nativa dentro dos limites estabelecidos pela lei, que é de 20% em área de floresta na Amazônia Legal e 65% em área do Cerrado. E é nesse ponto que Brasil e União Europeia discordam. A medida europeia exigirá que produtos vendidos ao continente não sejam provenientes de áreas de floresta desmatada, legal ou ilegalmente.

Lados: Carlos Fávaro (à esq.), da Agricultura, e Alckmin atuaram para adiar a lei; Marina quer mais controle sobre a pecuária. Fotos: Ton Molina e Pedro Ladeira/Folhapress

Paulo Barreto, pesquisador da Imazon, explica que a União Europeia não confia nas regras do Brasil porque, por aqui, é comum as leis serem modificadas para atender aos interesses econômicos específicos. “O Código Florestal aprovado em 2012 perdoou 40 milhões de hectares de desmatamento ilegal. Além disso, o Congresso frequentemente busca aprovar leis de regularização fundiária, o que, na prática, significa legalizar a grilagem”, afirma.

Essa tradição já conhecida da política brasileira, de legalizar práticas ilegais para ocupar continuamente terras públicas, não só alimenta o desmatamento na Amazônia como está diretamente relacionada a violência e sucessivas violações dos direitos das populações Indígenas, Ribeirinhas e Quilombolas. “A grilagem de terras, além de ser uma atividade lucrativa, acaba por fortalecer a influência política de seus praticantes. Quem grila terra tem muito dinheiro e acaba conquistando poder político, seja financiando campanhas eleitorais ou se tornando políticos eles mesmos”, ressalta Barreto.

Na contramão dessa discussão, o Ministério da Agricultura reitera que o Brasil possui a produção mais sustentável do mundo e é o país com melhores condições de atender às exigências da União Europeia, desde que as regras sejam estabelecidas com antecedência e prazos adequados para cumprimento. “Nenhum setor ou país exportador está totalmente adaptado [à Lei Antidesmatamento], uma vez que a UE não deixou claros os critérios de comprovação. A UE (…) reconheceu que os países exportadores não estão em condições de atender às exigências, especialmente os países em desenvolvimento e os pequenos produtores rurais”, afirmou a assessoria de imprensa do ministério, em nota enviada à reportagem.

Disputa: o governo federal planeja operações complexas para a retirada de gado de áreas ilegais, como na Flona do Jamanxim, no Pará. Foto: Avener Prado/SUMAÚMA

Por que adiar o enfrentamento da crise climática?

SUMAÚMA pediu uma entrevista com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para entender as razões de postergar uma regulamentação que pode ajudar no combate à emergência climática justamente num momento em que problemas causados por essa mesma crise afetam a produção agrícola em outras regiões, especialmente na produção de alimentos voltados para o consumo nacional. Um exemplo recente é o Rio Grande do Sul. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), as fortes chuvas que assolaram o estado em 2024 causaram prejuízos de 4,9 bilhões de reais à agricultura do estado e 514,8 milhões de reais ao setor de pecuária.

A resposta do Ministério da Agricultura foi protocolar: “O Brasil está disposto a explorar, bilateralmente e nos foros regionais e internacionais apropriados, formas de intensificar a cooperação Brasil-UE para a preservação das florestas”. No texto da mensagem, o ministério explica que seu objetivo “é uma proteção realmente efetiva, que considere a realidade brasileira, promova as três dimensões do desenvolvimento sustentável e respeite nossa legislação ambiental, uma das mais avançadas do mundo”.

Os grandes exportadores, na visão da pasta, terão recursos para adaptar suas cadeias produtivas em conformidade com as exigências da União Europeia. Consequentemente, observa o ministério, “cobrarão mais por isso”. A preocupação central do Brasil, alega o ministério, é com  “pequenos produtores, que enfrentarão maiores dificuldades para cumprir essas exigências”.

Tanto Brasil quanto Suécia, Portugal e Eslováquia vêm usando o argumento de que pequenos produtores são mais vulneráveis à implementação da Lei Antidesmatamento europeia e precisam de apoio especial e de que é preciso definir melhor o termo degradação ambiental. No entanto, Barreto contesta essa alegação, estimando que apenas 25% do rebanho está em pequenas propriedades. Ele sugere que é possível desenvolver mecanismos para incluir esses produtores no controle de origem exigido pela UE, assim como foi feito no passado com a vacinação contra febre aftosa.

“Na década de 1990, vacinávamos cerca de 10% do rebanho; hoje, vacinamos praticamente todos os animais, mesmo os de pequenos produtores, pois o custo desse sistema de controle já está embutido. Isso acrescentou bilhões de dólares à exportação. Atualmente, o Brasil exporta cerca de 25% de tudo o que produz, mas na década de 1990 esse número não passava de 5%”, afirma o pesquisador.

A Lei Antidesmatamento da União Europeia, acusada pelo governo federal de violar a soberania nacional, considera diversas variáveis relacionadas às crises no campo. O bloco econômico vai exigir que exportadores façam a consulta e cooperem de boa-fé com os povos Indígenas, e que avaliem a existência de reivindicações dessas comunidades originárias sobre invasões de suas propriedades para a produção dos produtos da agricultura e pecuária que são comercializados em seu estado natural, ou seja, com baixo teor de industrialização.

Outras variáveis que devem influenciar exportadores na elaboração de um indicador de risco são nível de corrupção, prevalência de falsificação de documentos e dados, falta de aplicação da lei, violações de direitos humanos internacionais, conflitos armados ou presença de sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou pelo Conselho da União Europeia.

O que está em jogo e o poder dos consumidores

O mercado europeu é o terceiro maior destino para a carne brasileira, atrás da China e dos Estados Unidos. Em 2023, o Brasil exportou 77,6 mil toneladas para a União Europeia, gerando um faturamento de 554,4 milhões de dólares – cerca de 3,2 bilhões de reais na cotação corrente. O estudo do Radar Verde sugere que o Brasil precisa conectar o controle de origem para fins sanitários, controlado pelo Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (Sisbov), do Ministério da Agricultura, ao controle socioambiental, para rastrear tanto os fornecedores diretos quanto os indiretos.

A pressão de clientes internacionais e nacionais é considerada fundamental para promover mudanças. Na Europa, organizações da sociedade civil enviaram uma carta aos Estados-membros da União Europeia contra o adiamento da Lei Antidesmatamento. “Uma das inovações do EUDR é que ele aborda a expansão agrícola insustentável, que a revista Science estima ser responsável por 90%-99% do desmatamento tropical”, afirma o documento. O que os consumidores e a sociedade civil alegam é que ministros da Agricultura da União Europeia teriam feito esforços de última hora para adiar a regulamentação, ignorando não só a urgência das crises climática e de biodiversidade como setores que já operam com rastreabilidade e conformidade à norma, como os de cacau e borracha.

O Radar Verde mostra ainda que varejistas europeus de carne e instituições financeiras que operam no Brasil podem se beneficiar de normas mais rígidas contra o desmatamento.

Um estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), divulgado no relatório do Guia dos Bancos Responsáveis em 2020, revelou que instituições financeiras da Holanda, Alemanha e Noruega investiram mais de 11 bilhões de dólares – cerca de 63 bilhões de reais – em 26 grandes empresas do varejo e do agronegócio brasileiro com alto risco de envolvimento no desmatamento no Cerrado e na Amazônia. Entre elas está o grupo Casino, dono do Pão de Açúcar, alvo de um processo movido por povos Indígenas do Brasil e da Colômbia por vender carne ligada à grilagem de terras e ao desmatamento na Amazônia.

Consciência: grandes empresas como o grupo Casino, dono do Pão de Açúcar, foram alvo de processo movido por Indígenas por venda de carne ligada à grilagem. Foto: Lela Beltrão/SUMAÚMA

No Brasil, os frigoríficos firmaram, em 2009, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne com o Ministério Público Federal (MPF), comprometendo-se a não comprar gado de fazendas que violem a legislação, seja por desmatamento ilegal, invasão de Terras Indígenas ou trabalho escravo. Apesar do avanço, a medida não foi suficiente para coibir o desmatamento, que durante o governo do extremista de direita Jair Bolsonaro chegou em média a 11,3 mil quilômetros quadrados de área derrubada por ano, o equivalente à área da Zona Franca de Manaus, que inclui a capital do estado do Amazonas e os municípios Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva.

A pressão de clientes também tem feito com que o setor financeiro se movimente para restringir o crédito aos desmatadores. Em 2021, o Banco Central do Brasil, por meio da Resolução 140/2021, reforçou critérios socioambientais para a concessão de crédito rural, como a exigência do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a proibição de crédito para imóveis em áreas protegidas ou com histórico de desmatamento ilegal na Amazônia. Dois anos depois, a regra foi estendida para todos os biomas.

Em 2023, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) lançou uma norma que exige que frigoríficos implementem sistemas de rastreamento e monitorem fornecedores, assegurando que até dezembro de 2025 não adquiram gado de áreas envolvidas em desmatamento ilegal na Amazônia Legal. A medida complementa iniciativas anteriores, como o Protocolo “Boi na Linha”, criado pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) em parceria com o Ministério Público Federal, com intuito de acelerar a implementação dos compromissos assumidos pela cadeia bovina na Amazônia com o Termo de Ajustamento de Conduta.

Essa medida, porém, é autorreguladora, ou seja, são os bancos que definem, no final das contas, quais serão as punições que seus clientes poderão ter ao operar em áreas com desmatamento. A restrição de crédito é uma das punições possíveis.

Uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), de junho de 2023, também definiu normas para a concessão de crédito rural no Brasil, exigindo que fossem considerados impedimentos sociais, ambientais e climáticos. “Mas muitos desses critérios, como ter Cadastro Ambiental Rural e não estar sobreposto a Unidades de Conservação ou Terras Indígenas, já vêm sendo discutidos e delimitados pelo Termo de Ajustamento de Conduta da Carne através do Protocolo Boi na Linha desde 2019”, afirma Camila Trigueiro, pesquisadora do Radar Verde. Porém, nada disso bastou para deter a destruição da vida e das florestas.

Infelizmente, como as secas e os incêndios deste ano deixaram claro, a Amazônia não tem mais tempo para esperar boa vontade. Nem dos bancos e das empresas nem dos governos.

Futuro: a agropecuária responde por 27% dos gases de efeito estufa emitidos no país; a vida do planeta exige uma mudança rápida de rumo. Foto: Lela Beltrão/SUMAÚMA


Reportagem e texto: Regiane Oliveira
Edição: Malu Delgado
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Checagem: Gustavo Queiroz e Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Tradução para o espanhol: Julieta Sueldo Boedo
Tradução para o inglês: Sarah J. Johnson
Coordenação de fluxo de trabalho editorial: Viviane Zandonadi
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de Redação: Eliane Brum

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