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Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, afirma que nenhuma licença será emitida para Belo Monte ‘enquanto não for concluída a análise do cumprimento das condicionantes até aqui’. Foto: divulgação/Ibama

Rodrigo Agostinho, o novo presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), precisa se desdobrar. Antes mesmo de assumir o cargo, no fim de fevereiro, ele já acompanhava a emergência na Terra Indígena Yanomami. Agora, tem diante de si uma tarefa de dimensões continentais: a desintrusão de terras indígenas invadidas pelo garimpo, ajudar a deter o desmatamento da Amazônia e de outros biomas, como o Cerrado, e a decisão em ao menos dois processos de licenciamento ambiental de extrema sensibilidade. Estão na sua mesa a renovação da licença da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, onde a devastação provocada em sete anos de operação mostrou o que acontece quando as recomendações do próprio Ibama são ignoradas, e o pedido da Petrobras para explorar petróleo em alto-mar na bacia da foz do Amazonas, abrindo uma “nova fronteira” para o combustível fóssil em meio a incertezas sobre as consequências sociais e ecológicas. Para enfrentar todos esses desafios urgentes, Rodrigo Agostinho conta com um instituto sucateado no governo Bolsonaro.

Advogado, ambientalista, ex-prefeito de Bauru, no interior de São Paulo, ex-deputado federal pelo PSB e ex-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, Agostinho fala calma e detalhadamente sobre esses desafios. Em entrevista por telefone, afirma que pretende “tranquilizar as pessoas” sobre o projeto de exploração de petróleo na foz do Amazonas, porque qualquer decisão “será tomada com muito cuidado”, levando em conta “todos os impactos possíveis e imagináveis”, e explica que a licença de Belo Monte só será renovada se a “vida do rio Xingu estiver garantida” e todo o passivo de condicionantes socioambientais não cumpridas for resolvido.

“O Ibama não é irresponsável. Estamos em outro momento, sob nova presidência, nada vai ser autorizado sem que de fato a gente tenha todas as implicações necessárias”, diz Agostinho sobre o processo da foz do Amazonas, parte da chamada margem equatorial, que compreende todo o litoral norte do Brasil. Ele evita antecipar qualquer medida, mas admite que a recomendação de técnicos do instituto de que seja pedida uma Avaliação Ambiental Estratégica, estudo mais amplo dos impactos de uma eventual atividade petrolífera naquela região, é “uma possibilidade real”.

Em relação a Belo Monte, o presidente do Ibama afirma que a decisão sobre a renovação ou não da licença não será tomada nem em curto nem sequer em médio prazo. Ele ressalta que o principal ponto é a definição de um novo hidrograma, o regime de uso das águas do rio na operação da usina, já que os dois previstos no primeiro licenciamento falharam em preservar o Xingu e as comunidades que dependem dele. “Enquanto não for definido um hidrograma razoável, enquanto não for concluída a análise do cumprimento das condicionantes até aqui, nenhuma licença será emitida”, explica.

De acordo com Agostinho, o Ibama não sairá do território Yanomami tão cedo, mas as consequências do garimpo “vão durar por toda a eternidade”. Além de áreas que ficaram com o solo “lavado e estéril”, o que dificulta a recuperação da floresta, há o rastro do mercúrio. Ele conta que foi pedida ajuda ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que dispõe de técnicos especializados no problema. “Tem pontos importantes a serem debatidos daqui para a frente: como minimizar o problema da contaminação do mercúrio, que orientações serão dadas às populações da área sobre o consumo de água contaminada e como, eventualmente, haverá reparação de danos causados pelo garimpo”, ressalta.

SUMAÚMA: Numa reunião em 3 de março, o Ibama e a Petrobras acertaram que a Avaliação Pré-Operacional do projeto de exploração no bloco 59 na foz do Amazonas seria feita ainda neste mês. No mesmo encontro, o representante do Ibama disse que a Petrobras vem atendendo a todas as demandas do instituto. Isso significa que a emissão da Licença de Operação está próxima?

Rodrigo Agostinho: Não tem nada a ver. Há um processo que implica uma série de obrigações, que estão sendo solicitadas, e a Petrobras vem sendo instada a realizar as ações necessárias. Mas isso não quer dizer que tem licença pronta para sair porque, depois de todas as solicitações, ainda há a análise técnica. Nesse caso específico o tema é bastante sensível, e o Ibama vai ser muito, muito cuidadoso em qualquer análise.

Nos pareceres que o Ibama publicou nesse processo, os técnicos, dada a sensibilidade ambiental e social daquela região, sugeriram que seja realizada, antes da decisão sobre a licença, uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). O presidente do Ibama tem o poder de suspender o processo e pedir essa avaliação mais ampla, inclusive porque há mais cinco blocos da Petrobras em licenciamento só na foz do Amazonas. O senhor vai pedir essa avaliação, existe uma decisão?

Eu tomei posse há pouco tempo, e esse é um tema que está entre as prioridades do Ibama. Estão sendo analisadas todas as recomendações que foram feitas pela equipe técnica, pelo Ministério Público, pela sociedade civil. Estamos agora analisando todas as recomendações para que a gente possa tomar uma decisão, ou mais de uma decisão. Nós ainda não tomamos uma decisão, mas todas as recomendações são, em tese, possíveis de ser atendidas. O que eu quero só é tranquilizar as pessoas, porque nenhuma decisão será tomada sem a análise técnica, sem a avaliação de todos os impactos possíveis e imagináveis. Existe o princípio da prevenção, existe o princípio da precaução, e eles estarão em primeiro lugar antes de qualquer decisão sobre o licenciamento dessa atividade.

Num dos pareceres do processo do bloco 59, em janeiro, ao sugerirem a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar, os técnicos do Ibama escreveram que nesse caso “o licenciamento em si não é capaz de avaliar as transformações socioambientais provocadas pelo conjunto do empreendimento, não é capaz de prever se o petróleo é uma adequada vocação econômica para a região”. Considerando que não há hoje produção de petróleo na maior parte da margem equatorial do litoral brasileiro, com exceção do Rio Grande do Norte, isso não demandaria essa avaliação mais ampla?

Bem, o Ibama vai buscar que todas as situações sejam compreendidas, e a Avaliação Ambiental Estratégica é sempre uma possibilidade no caso de uma situação complexa como essa. Estamos falando de uma ampla área do litoral brasileiro que vai do Rio Grande do Norte até o Amapá, uma região bastante sensível, em algumas áreas há um litoral muito rico em biodiversidade, espécies migratórias, corais. Na foz do rio Amazonas qualquer acidente tem um risco gigantesco de se transformar numa situação fora do controle, então obviamente que isso é uma possibilidade e está sob análise do Ibama. O Ibama vai analisar todos esses pontos. O que quero deixar claro é que não existe nenhuma decisão de que a licença será emitida nos próximos dias ou mesmo semanas e também no sentido de que estamos analisando todas as recomendações feitas até aqui antes da tomada de decisão. Eu não posso antecipar uma decisão, mas uma Avaliação Ambiental Integrada, uma Avaliação Ambiental Estratégica, é, sim, uma possibilidade. A gente não está falando apenas de um poço de petróleo, estamos falando de abrir uma região inteira do Brasil para a exploração petrolífera. Obviamente que a Avaliação Ambiental Estratégica é uma possibilidade real e está em análise neste exato momento.

Assim como a vizinha Oiapoque, no Amapá, a cidade francesa de São Jorge, na fronteira do Brasil com a Guiana, tem modo de vida e meio ambiente ameaçados pelo projeto de exploração de combustível fóssil na foz do Amazonas. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace

É uma área em que a própria dinâmica marítima é pouco conhecida, por isso o Ibama decidiu construir uma nova base hidrodinâmica naquele litoral. Pessoas que moram no Oiapoque não acreditam que o óleo não chegará à costa em um eventual acidente. O senhor está informado disso?

Sim, nós já estudamos todo o processo, estamos analisando todas as possibilidades. Como eu disse, esse processo é prioritário para o Ibama, a análise técnica está sendo feita com muito rigor, todos os pontos levantados até aqui estão no nosso radar, a gente sabe a sensibilidade ambiental da região, sabe dos riscos eventuais desse tipo de atividade no local. O Ibama vem solicitando uma série de documentos para que a gente possa tomar uma decisão alicerçada em conhecimento científico. A minha orientação aos técnicos é que o Ibama trabalhe sempre baseado em evidência, em conhecimentos científicos, por isso são solicitados tantos laudos, estudos de impacto ambiental. Agora, nós estamos em um momento de analisar tudo o que foi apresentado até aqui, há mais um estudo em realização neste mês. Mas isso não quer dizer que a decisão será tomada imediatamente após esse ensaio de um eventual acidente na região. O Ibama está olhando com muito carinho e atenção esse caso.

O processo de licenciamento mostra que a Petrobras indicou várias vezes que esperava que a Licença de Operação fosse emitida ainda no governo passado. Em dezembro, a empresa enviou um navio-sonda à região que está até agora esperando a Avaliação Pré-Operacional e a licença. Se a decisão ainda vai demorar semanas, o que o senhor diria à Petrobras?

Não posso conversar com a Petrobras pela imprensa. Uma coisa é a Petrobras colocar um navio na região, outra é a análise técnica do Ibama. O Ibama é uma instituição independente, de Estado, que faz o seu trabalho com eficiência há 34 anos. Nenhuma decisão será tomada ao arrepio da lei ou de forma açodada, independentemente de haver equipamentos lá na área. O Ibama vai fazer o seu papel, mas a gente não dialoga por meio da imprensa.

A pergunta era mais no sentido de que isso gera uma expectativa na região. Há uma expectativa de empregos, de royalties, a Petrobras está reformando o aeroporto local. Essa pressão social não afeta o seu trabalho, o trabalho do Ibama?

Não afeta, não. O Ibama vai fazer o seu trabalho, no seu tempo. O Ibama é independente, ainda mais do ponto de vista do licenciamento ambiental. O Ibama não se sente pressionado com esse tipo de situação.

O Estudo de Impacto Ambiental feito originalmente no processo de licenciamento afirmou que não haveria impacto nas terras indígenas do Oiapoque. Por isso a Petrobras sempre argumentou que não era preciso haver consulta prévia. Agora, depois de uma reunião entre os indígenas e a empresa, ficou claro que já há impacto só com os sobrevoos das aeronaves que vão do Oiapoque para o navio-sonda. Essa questão da consulta prévia pode travar o processo ou não está ligada às exigências do Ibama para o licenciamento?

A consulta prévia, livre e informada é uma obrigação de um acordo internacional que o Brasil assinou, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. A matéria é regulamentada no âmbito do Ibama e da Funai por meio da Portaria 60, de 2015. Esse ponto específico ainda está sob análise da equipe de licenciamento, e, se for necessário fazer consultas, as consultas serão obrigatórias. Estamos ainda na fase de analisar os documentos. E essa análise é feita com outro critério, no sentido de que a gente tem hoje um novo presidente do Ibama. Então, antes de qualquer decisão sobre licença, eu vou analisar toda a documentação do processo, todos os estudos e recomendações feitos, antes que a gente tome qualquer decisão.

Pelo regulamento do Ibama, a consulta prévia poderia ser uma condicionante? O Ibama recomendou que a Petrobras reveja o Estudo de Impacto Ambiental para considerar esse impacto já causado.

Como disse, nós estamos analisando, e, se for necessário solicitar novas informações à Petrobras, essas solicitações serão feitas. O Ibama não é irresponsável. Estamos em outro momento, sob nova presidência, nada vai ser autorizado sem que de fato a gente tenha todas as implicações necessárias, e um dos pontos que sempre é relevante é a questão relativa às oitivas. Não é fazer oitiva por fazer, existem regras, protocolos, que muitas vezes mudam de acordo com a população tradicional, com o povo indígena. É ver definições, apontamentos, observações feitas nessas consultas que de fato possam ser relevantes para o desenho institucional do licenciamento ambiental. Não faz sentido fazer consulta por fazer consulta, ela tem um motivo e obrigações implícitas nela.

Outra questão premente é a renovação da Licença de Operação de Belo Monte.

Ela não será feita no curto prazo. A gente tem pontos muito controversos a serem debatidos. Não é um processo de licenciamento que tem previsão de curto nem de médio prazo. Tem um ponto inicial bastante controverso, que é um pedido para analisar a possibilidade de instalação de soleiras [pequenas barragens] para minimizar os problemas relacionados a todo o perfil hidrográfico que está se desenhando ali na região. Os estudos relacionados às soleiras já foram apresentados, o Ibama vai analisar isso, e em seguida a gente vai se debruçar sobre toda a questão hidrológica do rio. Não tem previsão nenhuma de emissão de licença.

Há uma crise ambiental e humanitária muito forte na Volta Grande do Xingu: redução de peixes, comunidades inteiras afetadas, um território ribeirinho que ainda não foi criado para alocar as pessoas afastadas dos seus meios de sobrevivência.

O Ibama tem conhecimento de todos os problemas ambientais decorrentes do funcionamento da usina. O cumprimento de todas as condicionantes está sendo analisado, e nós precisamos resolver o problema do hidrograma de funcionamento. A usina foi licenciada com hidrogramas [regimes de uso das águas do rio na operação da usina] que se mostraram insatisfatórios na execução ao longo do tempo, e tudo isso está sendo analisado pelas equipes técnicas. O que posso dizer é que estamos com equipes inteiras debruçadas nesses estudos para que a gente possa avançar. Enquanto não for definido um hidrograma razoável, enquanto não for concluída a análise do cumprimento das condicionantes até aqui, nenhuma licença será emitida.

Um relatório do Ibama mostra que apenas 13 das 47 condicionantes originais foram cumpridas, não é?

Quando a usina foi licenciada, sempre ficou claro que o regime hidrológico do Xingu é bastante complexo, a vida do rio depende desse sistema complexo. A usina foi licenciada com dois hidrogramas, A e B, que ao longo do tempo se mostraram bastante insatisfatórios do ponto de vista de garantia da manutenção da vida no rio. Esses são pontos estratégicos que serão analisados e que, se não forem resolvidos, não há que falar em licenciamento ambiental. O licenciamento vai buscar a compatibilização dos diferentes usos do rio e da manutenção da vida no rio. Além do mais, a gente tem esses passivos de condicionantes não cumpridas que estão sendo postos na balança.

Árvores mortas compõem a paisagem de cemitério da natureza no reservatório da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. Foto: Pablo Albarenga/SUMAÚMA

O que observamos é que, no processo de licenciamento original, muitos pareceres do Ibama foram ignorados com frequência. A impressão é de que havia uma escolha política que beneficiava a empresa [Norte Energia] e as empreiteiras. Desta vez, o senhor tem o compromisso de respeitar esses pareceres técnicos?

Todo parecer técnico que de fato seja alicerçado em informação e amparado legalmente será levado em consideração. Como eu disse, o Ibama, daqui para a frente, fará o seu trabalho baseado em evidências, em conhecimento técnico. Isso não quer dizer que eventualmente um ou outro analista possa dar uma sugestão que não seja acatada. Não existe vinculação a toda e qualquer sugestão, aconselhamento ou parecer. Agora, aquilo que de fato for relevante com certeza será levado em consideração. O caso de Belo Monte é bastante emblemático. Nós teremos mudanças climáticas cada vez mais violentas, com episódios extremos acontecendo. Então, não necessariamente o perfil hidrológico que a gente tem hoje será o perfil daqui para a frente. A região de Altamira é uma das que têm as maiores taxas de desmatamento no Brasil, então também há o problema da mudança do clima local. Tudo isso precisa ser levado em consideração, e o Ibama não vai emitir nenhuma renovação de licença sem essas análises.

No caso das soleiras que a empresa quer construir, preveem-se a expulsão de mais famílias e o aumento do desequilíbrio ambiental na região. Existe a possibilidade de aprovação?

Eu não disse que vai ser aprovado ou não. O ponto principal é a gente definir um bom hidrograma de trabalho para o regime hidrológico do rio. A questão das soleiras foi trazida no âmbito da possibilidade de uma redução de danos, mas, pessoalmente, me parece muito pouco funcional. O Ibama não concluiu a análise técnica, mas, pessoalmente, acho que resolve muito pouco a questão. E a questão central, do hidrograma, não está resolvida. Quando a usina foi licenciada, todo mundo sabia que em determinadas épocas faltava água naquele local. Houve o licenciamento, e agora como resolver esses passivos decorrentes do licenciamento é o grande desafio.

Se a licença não for renovada, isso vai paralisar a usina?

Eu não posso antecipar decisões.

É só uma pergunta hipotética.

Não tenho essa análise para responder, mas não é desejável que uma atividade aconteça sem o devido licenciamento ambiental, ainda mais numa situação como essa de um empreendimento numa área tão sensível. Por outro lado, com ou sem licença a usina vai continuar no mesmo local. A licença não muda o fato de que existe uma barreira de concreto no rio Xingu. O que eu acredito muito é na possibilidade de que a gente consiga avançar na questão do hidrograma, porque o mais importante é a gente garantir a vida do rio, que as comunidades não sejam afetadas pelo funcionamento da usina.

No caso da Terra Indígena Yanomami, como o senhor vê o cenário depois da emergência? Teme-se que os garimpeiros só estejam esperando a situação esfriar para voltar. Como manter a vigilância lá sem descuidar de outras regiões para onde o garimpo pode migrar?

Nós não estamos dispostos a sair do território Yanomami tão cedo. Temos barreiras nos dois principais pontos de entrada, no rio Mucajaí e no rio Uraricoera, sendo essa última a mais antiga, em operação desde 6 de fevereiro. Por meio dessas bases a gente tem impedido a reentrada de garimpeiros e garantido a saída deles. Suprimentos como combustível e alimentos não estão mais entrando por via fluvial, e isso vem forçando a saída. Há um corredor aéreo aberto até 6 de abril, que muitos garimpeiros estão usando para sair, e o que resta é um grande rastro de destruição por dentro da terra indígena. Tem pontos importantes a serem debatidos daqui para a frente: como minimizar o problema da contaminação do mercúrio, que orientações serão dadas às populações da área sobre o consumo de água contaminada, como, eventualmente, haverá reparação de danos causados pelo garimpo. Obviamente, o Ibama não tem apenas a terra Yanomami, tem dezenas de outras, em algumas existe decisão judicial que determina a desintrusão.

Por exemplo?

Nos territórios Munduruku e Kayapó, existem várias terras indígenas em que há decisão judicial de fazer a desintrusão, além da vontade política do atual governo. Nós estamos fazendo um bom planejamento para entrar ao longo do ano, a estrutura é bastante acanhada para tudo isso. No caso dos Yanomami, não vamos sair de lá tão cedo. Contamos com o apoio de muitas instituições, como Funai, Ministério da Defesa, Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, além do apoio que existe em atendimento humanitário do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, do Ministério da Saúde. É uma situação bastante complexa, o Ibama já havia planejado que entraria em março, antecipamos em um mês por causa da crise humanitária, e nós vamos ficar lá até que acabe de vez o garimpo naquela área. E vamos, na medida do possível, também combater o garimpo ilegal em outras terras indígenas e em apoio ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) nas unidades de conservação federais.

EXPRESSÕES DA CULTURA YANOMAMI, COMO A PESCA TRADICIONAL COLETIVA, ESTÃO AMEAÇADAS PELA CONTAMINAÇÃO DOS RIOS PELO GARIMPO. NA IMAGEM, UMA MULHER DA ALDEIA DEMINI ATRAI OS PEIXES JOGANDO FOLHAS DE TIMBÓ MOÍDAS. FOTO: PABLO ALBARENGA/SUMAÚMA

Na terra Yanomami há uma destruição absurda causada pelo garimpo, crateras na mata, rios contaminados. É possível recuperar essas áreas?

É possível minimizar o problema das crateras, resolver problemas relacionados às erosões, mas as consequências do garimpo vão durar por toda a eternidade. O mercúrio não se degrada, vai continuar presente nas águas, nos peixes. Ele começa a ser metabolizado, vira metilmercúrio, entra na cadeia de metais. Tem um padrão de peixes contaminados agora e nos próximos anos vai ter outro perfil, porque vai circulando na cadeia alimentar. Há áreas em que é possível fazer um projeto de restauração, recuperar as feições do local, deixar a floresta fazer seu trabalho de regeneração natural, mas lá dentro tem muito lixo acumulado, resíduos, nascentes e matas ciliares que não podem ser recuperadas. Não tem solo, tem uma areia lavada, um solo estéril, morto. O Ibama e o Ministério do Meio Ambiente estão discutindo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma, que tem uma equipe de especialistas em contaminação de mercúrio, para que possa ajudar num bom diagnóstico das contaminações e orientar sobre medidas que possam ser tomadas daqui para a frente. Mas nas áreas destruídas pelo garimpo a recuperação é muito lenta. A floresta vai tentar ocupar o seu espaço, mas é lento. Há áreas garimpadas na Terra Indígena Yanomami nos anos 1980 e 1990 que estão numa situação complicada até hoje. Voltar a ser uma floresta exuberante, esquece.

O senhor já falou, em outras entrevistas, da carência de quadros no Ibama. Isso está afetando os processos de licenciamento?

Não do ponto de vista da qualidade. Mas obviamente que um quadro tão reduzido como temos hoje influencia na velocidade das decisões. Nós temos hoje meio Ibama, 2.900 servidores, 53% do quadro, um quadro que foi desenhado lá atrás. Temos 470 servidores com abono de permanência [benefício pago ao servidor que já poderia se aposentar, mas opta por continuar trabalhando], algumas áreas mais intensivas do Ibama sofrem mais, como licenciamento e fiscalização. São áreas estratégicas onde faltam profissionais, equipamento. Houve um processo de sucateamento pesado nos últimos quatro anos, e até superar tudo isso vai levar muito tempo. Não vai ser fácil resolver, temos a previsão de pelo menos 200 servidores se aposentarem e, a menos que eu consiga fazer concurso em outubro, novembro, não acredito na possibilidade de que todas essas vagas sejam preenchidas rapidamente. Ainda assim, temos que treinar, capacitar. A experiência de campo leva tempo. Nos últimos anos, o Ibama começou a delegar muito as licenças para os estados, principalmente os que tinham maior estrutura, até por conta da redução da equipe. Estamos num processo de o Ibama voltar a ser uma instituição forte, ter uma estrutura capaz de estar à altura da biodiversidade brasileira, a maior do mundo, embora esteja ameaçada. O Brasil ainda tem metade de sua cobertura com alguma forma de vegetação nativa, apesar de toda a degradação temos o maior percentual de cobertura verde do mundo. A gente tem um desafio enorme, e a estrutura do Ibama não está hoje à altura de sua responsabilidade. O que não quer dizer que os servidores não trabalhem com muita dedicação.

Quão significativo de fato é o Fundo Amazônia do ponto de vista da preservação ambiental? [O fundo, criado com doações da Noruega e da Alemanha, foi paralisado no governo Bolsonaro, quando ficaram retidos cerca de 3,6 bilhões de reais].

Ele é essencial se a gente quer ter políticas públicas diferentes para a Amazônia. Uma coisa é o orçamento da União, de cada um dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), e outra é fazer uma política para a Amazônia baseada em bioeconomia, geração de empregos, que respeite a maior floresta tropical do mundo e valorize os serviços ecossistêmicos. É essencial que a gente tenha ferramentas como o Fundo Amazônia se queremos ter uma estratégia diferente para a Amazônia, senão o que resta é dinheiro do Plano Safra, que vai incentivar a contínua transformação da floresta em áreas de pastagem, de cultivo agrícola, o que vai resultar em ausência do Estado e levar à grilagem de terra, extração ilegal de madeira, caça, pesca e mineração ilegal. O Ibama tem feito captações de recursos do Fundo Amazônia. Acabamos de inaugurar uma instalação do PrevFogo [Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais] que foi feita com o fundo e vamos apresentar um projeto de reestruturação do setor de fiscalização do Ibama. É uma garantia de recursos contínuos. A floresta em pé tem que valer mais do que a floresta no chão. Hoje, dependendo do estado, uma área de floresta vale metade de uma desmatada. No Pará, vale um décimo. Isso não vai acontecer se não criarmos um amplo cadastro de soluções, que possam envolver pagamentos de serviços ambientais, concessões florestais, manejo florestal, produção de artigos florestais para a indústria alimentícia e farmacêutica, agrofloresta. O fundo é uma ferramenta importante para isso, e o novo governo vem dando prioridade a ele para que outros países se tornem doadores.

Existe uma queixa recorrente de que muitas vezes os produtos da floresta recompensam pouco o produtor.

Por isso é que a gente não pode ter uma única solução, não é só o extrativismo. O extrativismo é muito importante para algumas famílias, mas não vou salvar a Amazônia inteira com uma única estratégia.


Revisão ortográfica (português): Elvira Gago
Tradução para o espanhol: Meritxell Almarza
Tradução para o inglês: James Young
Edição de fotografia: Marcelo Aguilar, Mariana Greif e Pablo Albarenga

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