Jornalismo do centro do mundo

Quando cheguei, pretendia falar sobre uma tragédia anunciada causada pelo aumento do nível do mar. Ao partir, havia entendido que, além da ameaça climática, existia superpopulação, abandono, resiliência e futuro. A porção da ilha prestes a desaparecer tinha ficado maior nas últimas décadas. Porque tudo é muito complexo. Assim como é complexa a vida dos indígenas da etnia Guna que vivem na região

 

Cheguei ao Panamá para relatar a história de uma ilha pequena e plana que tem os dias contados: o mar generoso e calmo que hoje a cerca um dia vai encobri-la. Essa ilhota se chama Gardi Sugdub e ela é superpovoada por pelo menos 1,3 mil pessoas, a maioria indígenas da etnia Guna.

Antes de vir para cá, devorei estudos acadêmicos, relatórios de organizações não governamentais, relatórios ambientais, análises científicas sisudas, opiniões de ativistas e burocratas de toda espécie, e reportagens de algumas das publicações mais conceituadas do planeta. Li que os Guna estavam condenados a abandonar suas ilhas, li comparações entre Gardi Sugdub e a mítica Atlântida, li que essa será a primeira comunidade de pessoas alijadas de suas moradias pelo clima no continente [americano] e li até que esse êxodo ocorreria dentro de um ou dois anos. Esta última informação vi em um artigo publicado em 2017.

Mas, quando parti, já havia compreendido que tudo é mais complexo. Como quase sempre. Como na vida.

No segundo de meus seis dias em Gardi Sugdub, fui recebido para uma conversa por seu saila, José Davies. Os sailas são a autoridade máxima em cada uma das 49 comunidades Guna, figuras que impõem um respeito místico. José Davies tem 82 anos, pele escura, pés descalços e olhos que parecem minúsculos por trás das lentes espessas de seus óculos. Ele fala baixo e somente em Guna, seu idioma.

JOSÉ DAVIES (À ESQUERDA) É O SAILA DE GARDI SUGDUB, A PRINCIPAL AUTORIDADE DA ILHA. ACIMA, A BANDEIRA CO-OFICIAL DO CONDADO DE GUNAYALA, ADOTADA EM OUTUBRO DE 2010

“An abege be inniggigwadba ibmar soged Gardi Sugdub negweburgi sunmaggalir”, diz ele quase no final de nossa conversa, em um tom de voz que soa a repreensão.

O saila José Davies foi – e ainda é – um dos promotores mais entusiasmados da transferência da população da ilha para o continente, mas ele nega que isso seja por medo do mar do Caribe, o seu mar. A ideia de uma Gardi Sugdub submersa parece ofendê-lo.

“Nosso saila disse”, traduz Betzander Arango, também Guna, “que quer que você diga toda a verdade quando falar sobre Gardi Sugdub.”

Espero estar à altura da tarefa, saila.

Território de difícil acesso

Quando os roteiristas da série A Casa de Papel dispersaram os personagens principais da trama pelo planeta, após o ataque à Fábrica Nacional de Moneda y Timbre, a Casa da Moeda espanhola, eles esconderam a vigorosa Tokio e o sorridente Río no arquipélago de Gunayala. Gardi Sugdub é uma de suas 370 ilhas e ilhotas de coral. Os roteiristas da aclamada série espanhola fizeram a escolha certa: em pleno século 21, o arquipélago dos Guna continua a ser um território de difícil acesso.

O pequeno porto de onde partem os barcos para Gardi Sugdub fica a 65 quilômetros em linha reta da Cidade do Panamá, mas nossa picape levou mais de cinco horas para chegar lá. A estrada já está passando por reparos, mas os 41 quilômetros da rodovia Pan-Americana até o mar do Caribe eram uma tortura medieval, até recentemente.

O isolamento tem sido uma constante na história dos Guna. De forma sucinta, os últimos cinco séculos desse povo poderiam ser resumidos assim: no início do século 16, quando os conquistadores [europeus] chegaram, os Guna estavam assentados na faixa costeira caribenha da atual Colômbia, ao redor do golfo de Urabá. A perseguição espanhola e as rivalidades com outros grupos étnicos os levaram a migrar para a cordilheira recoberta de selva de San Blas – no atual Panamá –, uma medida que lhes garantiu um isolamento notável. Com a passagem das décadas e dos séculos, eles gradualmente procuraram a costa, mais expostos aos galeões espanhóis, ingleses, franceses, holandeses e escoceses. Em meados do século 19, os Guna começaram a se estabelecer no arquipélago – inclusive em nossa Gardi Sugdub –, acredita-se que fugindo da malária e da febre amarela. Quando o Panamá se tornou independente da Colômbia, em 1903, o novo Estado tentou assimilá-los culturalmente e os reprimiu; os Guna pegaram em armas e proclamaram sua independência – a efêmera República de Tule e sua bandeira extravagante, à qual voltaremos – por algumas semanas em 1925. Desde 1938 sua autonomia é garantida por lei na República do Panamá, sob pressão dos Estados Unidos, que preferiram evitar um conflito aberto a poucos quilômetros de seu canal do Panamá.

E assim é até hoje.

Alguns antropólogos estão convencidos de que os Guna são um dos povos indígenas que mais conseguiram preservar sua cultura, idioma e território. Hoje, estima-se que existam cerca de 60 mil falantes de gunahab, o idioma dominante por vasta margem em Gunayala, a entidade político-administrativa dentro do Estado panamenho que concede extraordinária autonomia aos Guna. Quando alguém conversa com os homens e as mulheres da etnia, não há dúvida de que eles e elas sentem um orgulho singular por sua história de resiliência, quase tanto quanto Asterix e seus vizinhos se orgulham daquela aldeia povoada por gauleses inflexíveis que resistiram, ainda e como sempre, ao invasor.

Para os Guna, as ameaças mais urgentes hoje não são a sobrevivência de seu idioma ou a perda de sua identidade, como é o caso para tantos outros povos originários. As ameaças mais urgentes são outras: o mar do Caribe, a crise climática. Mas eu digo: tudo é mais complexo.

EM 21 DE NOVEMBRO DE 2022 HOUVE UMA PEQUENA INUNDAÇÃO NO SETOR NOROESTE DE GARDI SUGDUB, OCORRÊNCIA COMUM NOS ÚLTIMOS MESES DE CADA ANO

‘Nós não temos medo do mar’

“O projeto nasceu da superpopulação, não da mudança do clima”, me disse José Davies. Alguns minutos antes, ele havia feito uma declaração não menos desafiadora: “Nós, Guna, não temos medo do mar – pelo contrário!”.

Não há dúvida – nenhuma dúvida mesmo – de que o mar do Caribe representa uma ameaça real, crescente e mensurável. Gardi Sugdub é uma ilha de formato retangular, com 300 metros de comprimento e 120 metros de largura; cinco campos de futebol sem arquibancadas. Ela era menor há 20, 30, 50 anos; você entenderá o aparente paradoxo mais tarde. Há cerca de 160 casas grandes, aproximadamente 1,3 mil moradores. Mas o problema real é sua ausência de relevo, que bastaria para condená-la se nos ativermos apenas às projeções sobre o aumento do nível do mar provocado pelo aquecimento global.

Duas ruas estreitas e empoeiradas percorrem toda a extensão de Gardi Sugdub. A partir delas e entre elas há um emaranhado de passagens ainda mais estreitas e empoeiradas que levam ao mar e aos pequenos píeres. Quase tudo são casas – a maioria precárias, a minoria decentes –, mas também há uma escola, um emaranhado de cabos, gatos, um posto de saúde, painéis solares, lençóis, antenas parabólicas, plásticos, bandeirinhas pendentes, roupas estendidas para secar, galões azuis, outros gatos, uma cabine telefônica anacrônica perto do píer principal, poças, cadeiras e ainda mais gatos.

O que não existe em Gardi Sugdub são parques, shoppings, asfalto, fontes, bancos, discotecas, pizzarias, cinemas, pistas de skate, calçadas, carros-semáforos-motocicletas, agitação urbana, sombra sob árvores, polícia municipal, prostíbulos, estátuas ou uma pequena praça. Gardi Sugdub não tem nem mesmo um cemitério para enterrar os seus.

TRÊS MÃES, VESTIDAS DE MODO TRADICIONAL, ESPERAM A SAÍDA DOS FILHOS NA ÚNICA ESCOLA EM GARDI SUGDUB

Vinte e cinco anos atrás, no extremo leste da ilhota havia uma pequena quadra de futebol e basquete. A escola fica no coração da ilha e, quando os engenheiros alertaram sobre o peso do prédio de dois andares ser um perigo, a comunidade se reuniu, ponderou e optou por desmontar o andar de cima da edificação e construir as salas de aula no único espaço disponível: a pequena quadra.

Superpopulação.

“Eu sou um dos que promoveram a transferência”, disse o saila José Davies. “Conheço toda a história, mas já estou velho; o senhor Albertino Davis a explicará melhor.”

Albertino Davis tem 68 anos e também é indígena do povo Guna. Quando o entrevistei, ele presidia aquilo que é conhecido aqui como Comitê de la Barriada, a organização de bairro que faz ligação com o Ministério da Habitação do Panamá para coordenar a construção de um assentamento de 300 casas no istmo.

Tudo isso será detalhado mais tarde.

Foi há 15 anos que o saila José Davies e outros anciãos reverenciados – a maioria deles já morreu – tiveram a ideia de construir um assentamento fora de Gardi Sugdub. O próprio saila ofereceu um terreno.

“Nós mesmos íamos construir as casas, porque muitas famílias não cabiam mais nos lugares em que moravam”, diz Albertino.

Mais de 15 anos se passaram desde que aquele pequeno grupo de líderes Guna de Gardi Sugdub começou a se organizar, para o bem de suas netas e bisnetos.

Perdoe-me o lugar-comum

Os mares estão subindo na Terra; não importa se você acredita ou não, se você se importa muito ou pouco. O nível do mar subiu em média de 15 a 25 centímetros – registrados, contrastados – do início do século 20 até 2018, com o aumento mais acentuado nas décadas mais recentes. Além disso, há um consenso na comunidade científica mundial de que ele continuará subindo milímetro por milímetro durante o século 21.

Perdoe-me o lugar-comum, mas o risco representado pelos oceanos é maior nas terras costeiras com elevações mínimas, especialmente nas pequenas ilhas. E como as tragédias previstas estimulam o interesse, desde o fim do século passado vem tomando forma uma espécie de atlas de territórios que, mais cedo ou mais tarde, se verão inundados.

Os paraísos do oceano Pacífico têm posição de destaque: ilhas Marshall, Kiribati, Tuvalu, Fiji… Fora da Oceania do filme Moana, da Disney, a elevação dos mares é motivo de grande preocupação em lugares tão díspares quanto as Maldivas e Jacarta (ambas no oceano Índico), ilha do Príncipe Eduardo (Canadá), Saint Louis (Senegal), Nova Orleans, Veneza, Holanda, e…

Em nossa América Latina, o arquipélago de Gunayala foi o lugar emblemático que o Sistema das Nações Unidas selecionou para conscientização sobre a ameaça global; e, entre suas mais de 370 ilhas, uma em especial: Gardi Sugdub. Assim que um lugar foi escolhido, por mais remoto que fosse, jornalistas, cientistas e políticos não demoraram a desembarcar por lá.

FIDELIA DENIS PONCE, 76 ANOS, CARREGA ESTACAS DO CAIS ATÉ SUA CASA. ESSA TAREFA COSTUMA SER FEITA POR MULHERES GUNA

Outros conceitos

Suas netas e bisnetos – seu futuro – foram o que levou Sergio López a embarcar na ideia de construir um assentamento no continente, para começar. Sergio – 44 anos, pai de três filhos e duas filhas, e Guna, é claro – ganha a vida vendendo combustível para barcos, administrando uma pequena loja em sua casa e trabalhando como guia turístico. Em seu telefone, ele mantém uma foto sua ao lado do risonho Río, do período em que A Casa de Papel foi gravada em Gunayala, no fim de 2018.

“Eu mesmo trabalhei na limpeza do terreno que escolhemos originalmente para a Barriada; trabalhei com meu pai.”

Sergio me conta isso à sombra de palmeiras em Assudub Bibbi, uma ilhota de cartão-postal salpicada de cabanas refinadas, redes e uma quadra de vôlei de praia. É um destino de férias para turistas ricos, localizado 14 quilômetros a nordeste de Gardi Sugdub. Betzander Arango, de 43 anos, também guia turístico e tradutor ocasional, participa da conversa.

De todo o arquipélago, Gardi Sugdub é uma das ilhas mais afetadas pela superpopulação, não tanto pelas inundações. O desejo de descongestionar a área é antigo, e já dura pelo menos duas décadas, estimulado pelo saila Joseph Davies e por outros anciãos. Mas algo mudou em 2008.

Em novembro daquele ano, as águas ficaram muito agitadas naquela parte do Caribe. Por obra das luas, dos ventos e das marés, isso acontece quase todo mês de novembro e dezembro em Gunayala, desde sempre, mas em 2008 as áreas inundadas foram maiores, e a inundação durou mais dias. Foi até necessário adiar a reunião semestral do Congresso Geral Guna, que deveria ter começado no dia 27 em Dadnaggwe Dubbir, uma ilha 100 quilômetros a leste.

Embora Gardi Sugdub não estivesse entre as mais afetadas, depois daquelas inundações a antiga ideia de uma mudança para o continente começou a ganhar força, se bem que em ritmo caribenho. Em meados de 2010, apenas 30 famílias estavam interessadas, incluindo a de Sergio, que foi encarregado de limpar parte da selva, com seu pai, José López.

Naqueles anos – 2008, 2009, 2010… – conceitos que não existem no idioma Guna também começaram a ser ouvidos em Gunayala, e até hoje continuam a ser usados em espanhol: aquecimento global e crise do clima.

Planos para escapar

“Nasci aqui e aqui vou morrer”, me diz Ernesto Ávila.

Ernesto tem 60 anos e é um guia turístico empobrecido, da velha guarda, um daqueles que hoje tentam persuadir os gringos e europeus aposentados que desembarcam por algumas horas na ilha a contratá-los. Ainda não são 7 horas em meu primeiro nascer do sol em Gardi Sugdub. Madruguei mais cedo que o sol e minha caminhada com a câmera na mão para aproveitar a melhor luz terminou no píer principal. Lá estava eu, ensimesmado, quando Ernesto me chamou com um grito para que eu fosse até sua casa na praia.

Ele me cumprimenta de bermuda e chinelos, com uma garrafa de Bacardi na mão. Quer saber quem sou, por que as fotos. Acalma-se quando lhe digo que sou jornalista e que ontem, assim que desembarquei, paguei os 100 dólares de “taxa comunitária” – com nota fiscal e carimbo, é claro – que eles cobram para permitir que as pessoas façam reportagens sem reclamações. Ele me oferece uma cadeira e um café. Fala-me veementemente de seus ambiciosos planos para escapar da pobreza.

ERNESTO AVILA SUPERVISIONA O ATERRO QUE PERMITIRÁ AUMENTAR SUA PROPRIEDADE EM ALGUNS METROS

À nossa frente, ao lado de um cubículo maltratado feito de folhas prensadas (wagaras), que também serve de banheiro, há um homem submerso no mar, com água até o peito e óculos de mergulho na testa. Seu nome é Arcadio e ele está rellenando (literalmente, preenchendo ou recheando).

Também à nossa frente estão Gardi Dubbir e Gardi Yandub, a 300 e 500 metros de distância; duas ilhas não tão grandes e não tão superpovoadas, mas com área suficiente para terem as próprias autoridades, os próprios sailas. E, mais perto, a ilha Coibita, um pedaço de terra alongado que, nas últimas décadas, os Guna furtaram ao mar, rellenando. Coibita é o lar de cerca de 15 famílias, que ainda dependem do saila de Gardi Sugdub.

Há apenas quatro dias foi publicado um tuíte com uma foto das quatro ilhas, registrada pelo satélite Sentinel-2 da Agência Espacial Europeia e divulgada por contas de europeus interessados na região. “Os 1.200 habitantes [de Gardi Sugdub] logo serão transferidos para o continente devido à alta do nível do mar causada pela #MudançaClimática”, diz o tuíte. Mostro a imagem a Ernesto.

“Mentira! Isso é uma grande mentira! Por que eles estão mentindo para o planeta? O que eles têm a ganhar com essa mentira?”

A prova de que ele está falando sério é o trabalho que Arcadio, contratado por Ernesto para rellenar e ampliar sua propriedade, está fazendo.

O processo é relativamente simples e os Guna o praticam desde os tempos antigos. A 2 ou 3 metros da costa, em uma profundidade rasa, eles cravam grandes paus e os unem com tábuas, que servem como um muro de contenção. Em seguida, colocam grandes pedras retiradas dos recifes; para melhor retenção, Ernesto as posicionou nos destroços de seu velho barco. “Então, vão se fechando, se fechando, se fechando, como você pode ver agora”, diz Ernesto. O segredo são as rochas de coral grandes e as de tamanho médio, que são empilhadas ordenadamente, embora também sejam usados todos os tipos de resíduos sólidos e detritos não orgânicos. Por último, tudo é recoberto por terra ou concreto, a depender do orçamento, e o muro é removido. E agora o Guna pode caminhar onde até alguns dias atrás havia o mar do Caribe. Com o trabalho que Arcadio está fazendo, cerca de 10 metros quadrados serão arrebatados do mar.

“Estou feliz aqui”, diz Ernesto. “Um dia, gostaria de construir um bar para os turistas ou ampliar mais a minha casa e colocá-la para alugar nesse tal de ‘Erbienbi’.”

Porque o trabalho não está concluído, eu o vejo como instável, para ser sincero, mas, por meio dos rellenos, a verdade é que Gardi Sugdub agora é maior e mais alta do que há meio século. Por causa disso, e por causa do orgulho que os Guna expressam por sua vida na ilha, parece impossível que ela seja esvaziada, que vá submergir.

“Nós, velhos, gostamos de rellenos; se você multiplica a família, tem que rellenar para depois dar terra a suas filhas”, me dirá Albertino Davis, do Comitê de la Barriada, algumas horas mais tarde.

“Meus primos acabaram de construir uma casa na ilha Coibita”, me dirá Betzander no dia seguinte.

ARCADIO TRABALHA NO PREENCHIMENTO QUE, QUANDO ESTIVER PRONTO, SERVIRÁ PARA AVANÇAR ALGUNS METROS SOBRE O MAR

Hasta luego, querida isla

Aquecimento global e crise do clima são expressões que demoraram para começar a ser ouvidas em Gunayala. O primeiro artigo de que se sabe ter mencionado a ideia foi publicado em 30 de agosto de 2010, no Mi Diario, um dos jornais da Cidade do Panamá. A reportagem, intitulada “Hasta luego, querida isla” [até logo, querida ilha], fala sobre um terreno no continente que foi desmatado para abrigar apenas 30 famílias, cerca de 150 pessoas.

O texto contém uma referência explícita à mudança do clima e afirma que já havia conversas com o governo panamenho para financiar a iniciativa.

“Desde que eu era criança em Gunayala sempre houve fortes vendavais, tempestades marítimas, marés altas, e o povo Guna sempre esteve aqui, sobrevivendo”, me dirá o octogenário saila José Davies, mais de uma década depois daquele artigo.

Sem relação direta com a transferência proposta pela saila de Gardi Sugdub, o governo lançou dois projetos que, dada a realidade da região, bem merecem o adjetivo “faraônicos”. Com um orçamento de mais de 11 milhões de dólares emprestados do Banco Interamericano de Desenvolvimento, foram projetados um ambicioso complexo escolar (biblioteca, laboratório, ginásio, dormitórios…) e o mais moderno e bem equipado centro de saúde de Gunayala, ambos no continente, um ao lado do outro, 1,5 quilômetro acima do pequeno porto.

As obras foram licitadas e a construção começou no governo do presidente Ricardo Martinelli (2009-2014). Martinelli foi sucedido por [Juan Carlos] Varela, e Varela por [Laurentino] Cortizo, e tanto a escola quanto o pequeno hospital ainda estão pela metade, abandonados. Um exemplo clássico do que os argentinos chamam de elefante branco (esse é o título de um filme estrelado pelo genial Ricardo Darín).

A negligência histórica do Estado em relação aos Guna também se refletiu no projeto de transferência. As conversas entre os precursores do que viria a ser conhecido como Comitê de la Barriada e o governo se cristalizaram em 2011, na forma de um plano para construir um assentamento para 65 famílias no continente.

Batizado de Nuevo Cartí, o projeto foi entregue ao Ministério de Habitação e Gestão de Terras, o Miviot. Consultas, estudos, propostas, planos foram elaborados e até mesmo um investimento de 2,4 milhões de dólares foi definido… mas uma pedra fundamental nunca foi colocada.

Nem mesmo uma casinha que fosse, mas aqueles vaivéns serviram ao menos para aterrissar três ideias: a primeira, referente à comunidade de Gardi Sugdub, foi que, à medida que o número de famílias interessadas subia das 30 iniciais para 65, os participantes concordaram em que as novas famílias fariam uma contribuição econômica ao Comitê para compensá-lo por todo o trabalho realizado pelas famílias originais. O mesmo modelo foi replicado anos depois, quando o número de casas saltou para 300.

Em segundo lugar, os Guna se resignaram a aceitar casas pequenas em lotes espaçosos; a casa-modelo de Nuevo Cartí tinha apenas 36 metros quadrados de construção em uma propriedade de 450 metros quadrados.

E, em terceiro lugar, a ideia romântica inicial de que a Barriada seria construída com materiais originais, semelhantes aos que os mais velhos conheciam quando crianças, foi descartada. Isso tornaria tudo mais caro, e optou-se pelo pragmatismo.

Foi assim que Dilion Navarro, o Guna de 56 anos que sua comunidade escolheu como contato com a empresa de construção que está tentando concluir o projeto, justificou a decisão para mim: “Até mesmo em Gardi Sugdub restam muito poucas casas culturais, lastimavelmente, porque as chapas de zinco são mais baratas do que um telhado tradicional de wagara; os Guna já estão acostumados a viver assim, e não há problema em que as casas sejam como as da Cidade do Panamá”.

“Sei que meus filhos vão gostar mais do novo assentamento, principalmente os pequenos, porque poderão assistir à televisão o dia todo, terão ar condicionado”, me disse Sergio; em Gardi Sugdub, a modesta usina que abastece a ilha de eletricidade é desligada à noite.

De qualquer forma, afirmo: Nuevo Cartí acabou sendo um blefe.

YANICELA OYURI VALLARINO E O GUIA TURÍSTICO SERGIO LÓPEZ ABRIRAM UMA LOJINHA EM UM CÔMODO DE SUA CASA

A suástica como bandeira

Uma das duas bandeiras de Gunayala é vermelha-amarela-vermelha, calcada na da Espanha, mas com uma grande suástica preta no centro. Essa presença ostensiva a torna chocante. Em Gardi Sugdub, eu a vi hasteada em mastros, em casas, em barcos, na Casa do Congresso e na Casa de la Chicha Fuerte, pintada em grafitos, impressa em suvenires.

“Todo mundo pensa que é pelos nazistas, mas para nós tem outro significado”, diz Deliano Davies, que dirige o chamado Museu da Cultura Guna, uma instituição extraoficial.

Os Guna hastearam essa bandeira pela primeira vez em 1925, durante a Revolução Tule, o levante armado que levou à ampla autonomia política e administrativa de que o povo Guna desfruta dentro do estado panamenho. Um século depois, a bandeira continua sendo uma vigorosa causa de orgulho.

Há várias hipóteses sobre como a suástica foi parar lá, em uma década na qual, no Ocidente, já era um símbolo dos defensores da supremacia ariana; de acordo com uma dessas hipóteses, a bandeira foi desenhada pela neta de um dos líderes da revolta; outra diz que a suástica é um emblema que remonta às origens místicas dos Guna.

E outra teoria – a mais forte, em minha opinião – aponta para os delírios do explorador e diplomata americano Richard O. Marsh, que tinha ido a Gunayala para procurar borracha alguns anos antes. Marsh ficou obcecado pela ideia de que havia encontrado um ramo perdido da raça ariana entre os Guna; conquistou a amizade dos líderes, ganhou a simpatia do governo dos Estados Unidos e incentivou e aconselhou os índios contra os panamenhos. Sua obsessão etnológica, incorporada ao livro The White Indians of the Darien [Os índios brancos de Darien], o levou a enviar dois meninos e uma menina Guna de pele branca a Nova York a fim de provar à comunidade científica que eles eram descendentes de escandinavos. “Minhas três pequenas crianças pareciam norueguesas saudáveis, não monstruosidades biológicas”, ele ousou escrever em seu livro.

No final, surgiu a revelação de que eram Guna albinas. Ibegwa, em seu idioma.

Muita areia e pouco cal

Nuevo Cartí acabou sendo um blefe, mas a primeira metade da década de 2010 foi fundamental para a ascensão da crise do clima na agenda mundial. O Sistema das Nações Unidas encampou as advertências que antes raramente saíam do âmbito acadêmico, e os Guna em geral – e Gardi Sugdub em particular – começaram a se converter em bandeira das consequências nefastas de uma alta no nível dos oceanos.

O governo panamenho percebeu o potencial e, em 2015, preparou um dossiê sobre o assentamento de 300 casas que continua em construção hoje, ao lado do elefante branco abortado.

Desde o Acordo de Paris sobre o Clima, de 2015, o povo Guna e seu mar do Caribe foram incluídos, sob a supervisão do Ministério do Meio Ambiente do Panamá (MiAmbiente), em todas as Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP). No início, sem nem mesmo consultar o Congresso Geral Guna; depois, com uma coordenação cada vez maior, que levou à integração de líderes indígenas às delegações oficiais, como aconteceu na COP-27 em Sharm el-SheiKh (Egito), realizada nos mesmos dias em que eu visitei Gardi Sugdub para esta reportagem.

Mas, em termos de construção real do novo assentamento, foram oito anos de muita areia e pouco cal.

AS 300 CASAS QUE DO CONJUNTO ISBER YALA ESTÃO PROMETIDAS AOS GUNA DE GARDI SUGDUB PARA FEVEREIRO DE 2024

“Os planos foram apresentados à comunidade, e eles aprovaram a maneira pela qual o projeto seria desenvolvido”, me disse Marcos Suira, diretor de engenharia e arquitetura do Miviot, em seu escritório na capital.

As obras têm financiamento aprovado, mais de 12,2 milhões de dólares, mas esses fundos se tornaram o cofrinho a que o governo recorre em caso de quaisquer imprevistos. Quando o furacão Otto atingiu as províncias de Colón e Bocas del Toro, em novembro de 2016, a transferência dos moradores de Gardi Sugdub foi adiada. Quando a pandemia chegou, idem. E quando os protestos mais numerosos da história recente do Panamá eclodiram, em julho de 2022, a presidência uma vez mais retirou as verbas da construção para cobrir os novos compromissos que assumiu.

Visitei a Barriada na última de minhas manhãs em Gunayala, e o trabalho estava praticamente parado. Oficialmente, as obras estavam 64% concluídas, mas os meses de negligência já estavam cobrando seu preço.

“Ainda há um longo, longo caminho a percorrer e, como o projeto está atrasado, o progresso está se deteriorando: as ruas estão erodindo, as casas estão cheias de ervas daninhas, as coisas estão enferrujando…”, me disse Dilion Navarro, quase furioso.

O que existe de definitivo é o nome daquela que se tornaria a quinquagésima comunidade Guna: Isberyala, porque as nespereiras (isber, em Guna) abundavam na área desmatada, que fica a 2 quilômetros da costa e não seria afetada nem mesmo pelo tsunami mais destrutivo.

O início do fim 

Está chovendo muito em Gardi Sugdub e o mar está mais feroz do que o normal. As ondas têm 30 a 40 centímetros de altura, não mais, mas a maré está alta e a parte mais ocidental da ilha está sendo inundada. Apesar de tudo o que ouvi nos quatro dias que passei aqui, por um momento acredito estar testemunhando o início do fim desta ilha. É algo que precisa ser registrado.

A poucos passos da costa, a água salgada chega até meus tornozelos e corre cerca de 40 metros para dentro da ilha, até se fundir e se misturar com as doces poças da chuva. Um grupo de turistas – pessoas de cabelos claros, olhos claros – também bisbilhota e fotografa, surpreso e maravilhado. Não é o caso da avó Guna sentada em uma cadeira de plástico, vestida em seu traje tradicional de cores vivas, conhecido como mola, suas chaquiras [contas de vidro], seu lenço de cabeça laranja. Ao lado dela, em outra cadeira, está sua neta, com cerca de 7 anos. Elas estão a 10 metros de distância de onde as pequenas ondas estão quebrando. Como se nada estivesse acontecendo.

É novembro, dia 21, e, como em quase todos os meses de novembro e dezembro em Gunayala, as águas estão agitadas por causa das luas, dos ventos e das marés. A preocupação da avó, pelo que posso entender de seu espanhol precário, é que a inundação esteja acontecendo no exato dia em que um navio de cruzeiro ancorou diante de Gardi Sugdub e, por algumas horas, cerca de 200 potenciais compradores dos suvenires que ela vende desembarcaram.

Não se trata de um navio qualquer. É o Royal Clipper, um veleiro de cinco mastros e 134 metros, o navio mais luxuoso da empresa de cruzeiros europeia Star Clippers Ltd., que tem no mar do Caribe um de seus destinos mais populares. O Royal Clipper está listado no Guinness World Records como o maior navio de velas quadradas do planeta. Dentro de algumas horas, quando a chuva parar, Sergio me levará em seu barco para um passeio ao redor dele, para que eu possa admirá-lo, e o navio é realmente impressionante.

A grande maioria dos 200 turi$ta$ que desembarcaram passeia e faz compras no resto da ilha, enfeitada para a ocasião. Eles se movimentam em pequenos grupos. São o protótipo do aposentado do norte da Europa, com sua estatura, sua palidez, seus cabelos grisalhos, suas camisas e camisetas, suas meias brancas e suas câmeras fotográficas caras. O sonho molhado do supremacista Richard O. Marsh. Cada um deles pagou entre 5,2 mil e 10,3 mil dólares por esse cruzeiro, que zarpou da Cidade do Panamá anteontem, atravessou o canal e, em 13 dias, atracará na capital de Antígua e Barbuda, o ponto final da viagem.

Gardi Sugdub é a primeira parada. A ilha recebe esse tipo de cruzeiro há décadas, e o senso de exploração é altamente desenvolvido. Como no caso daquela garotinha de 6 ou 7 anos, vestida com um vestido de cartão-postal, que, em troca de uma gorjeta, se deixa fotografar sorrindo, com um tucano domesticado pousado em seu ombro franzino. Crianças com animais são garantia de dinheiro; já as vi com gatinhos e cachorrinhos, mas a menina que posa com o tucano é, sem dúvida, a sensação do bloco.

Em pouco mais de uma hora, os loiros estarão de volta ao Royal Clipper – rumo a Cartagena de Índias –, e os suvenires serão armazenados até a próxima visita; grande parte do colorido das ruas e becos terá desaparecido. Algumas horas mais tarde, o oceano terá se vingado com um vômito de plásticos, lixo e detritos nas áreas inundadas, mas as águas acabarão recuando… até a próxima inundação em Gardi Sugdub.

O deus pai e a deusa mãe

O tsunami mais destrutivo já registrado no Panamá ocorreu em 7 de setembro de 1882, após um terremoto de 7,9 graus na escala Richter, com epicentro no coração do arquipélago de Gunayala. As ondas ultrapassaram os 3 metros de altura, devastaram todas as ilhas e a faixa costeira, e o número estimado de mortos foi entre 75 e 250.

Embora tenha ocorrido há um século e meio, esse tsunami foi mencionado com frequência em minhas conversas com os Guna de Gardi Sugdub quando falamos sobre sua (não) mudança para o continente. O povo Guna se reergueu dessa provação imposta a eles por Babdummad (o deus pai) e Nandummad (a deusa mãe); nem depois daquela devastação infinda eles optaram por abandonar suas ilhas. É algo que contam com orgulho.

De acordo com a Terceira Comunicação Nacional sobre Mudanças Climáticas, preparada pelo MiAmbiente e apresentada em 2019, o nível do mar subiu 36 milímetros entre 1992 e 2012, o que equivale ao comprimento da tampa de uma caneta Bic, sem o rabicho. Trinta e seis milímetros em duas décadas. O fato de os ancestrais terem permanecido em suas ilhas após um tsunami que gerou ondas de 3 mil milímetros pesa, e continuará a pesar. Assim como a convicção de que rellenar é um antídoto confiável.

“A alta do nível do mar vai continuar acontecendo, e as ondas de maré vão continuar acontecendo, e o aquecimento, e a acidificação… Sim, temos que nos preparar…”, disse a bióloga marinha Maribel Pinto, chefe do Departamento de Adaptação à Mudança do Clima, no MiAmbiente.

Quando lhe perguntei se acreditava que dentro de dez ou 20 anos Gardi Sugdub estaria despovoada ou submersa, como tantos de seus colegas publicaram levianamente, Pinto respondeu que cabia ao seu governo se preparar para ter o menor número possível de pessoas morando lá, mas que, se morar nas ilhas “faz parte da cultura deles, da conexão deles, teremos que respeitar isso”.

A essa altura da história, já deveria estar claro: nem Gardi Sugdub será uma Atlântida do século 21, nem seus 1,3 mil habitantes serão a primeira comunidade de pessoas deslocadas de seus lares pelo clima na América Latina.

MENINAS JOGAM FUTEBOL NO PÁTIO DA ESCOLA DE GARDI SUGDUB

‘Você tem que tomar banho no rio’, diz Sergio

“Ele está falando sério”, ri Betzander, que está sem camisa, diante de minha cara de perplexidade.

Ainda faltam algumas horas para o anoitecer e estamos em um meandro do rio Cartí Grande, no meio de uma floresta de verde intenso. Acabamos de sair do cemitério dos Guna em Gardi Sugdub, um privilégio que me foi concedido e que ainda estou processando, mas que está me fazendo sentir como DiCaprio na proa do Titanic.

Ontem morreu um antigo professor da infância de Betzander. Ele queria oferecer suas condolências e me convidou a acompanhá-lo. Há algumas horas nós três entramos no barco de Sergio e navegamos primeiro os 2 quilômetros até a foz do Cartí Grande e, depois, mais 2 quilômetros serpenteando rio acima. Estamos em terra firme; não tão longe de Isberyala, de fato, embora separados de lá por um matagal.

O cemitério – neguan, em Guna – não é vistoso, mas é funcional. Uma sucessão de telhados de zinco – em sua maioria – e de folhas entrelaçadas – a minoria. Cada estrutura pertence a uma família. Não há cruzes. O terreno é irregular e não muito ordenado.

Quando chegamos, cerca de dez mulheres mais velhas em seus trajes, molas e chaquiras multicoloridas, nos ofereceram um assento, almoço e sorrisos. De uma tigela grande e funda, comemos com as mãos um arroz que estava queimado, mas saboroso. Os presentes estavam conversando em Guna e rindo, diferentemente de todos os funerais de que já participei na vida. Era uma atmosfera quase festiva. Depois do almoço, fomos até o local onde o morto estava deitado, envolto em uma espécie de rede, e Betzander juntou as mãos e fez algumas orações – em Guna, é claro. Em seguida, nós três caminhamos ao redor do neguan e Betzander nos mostrou o recanto de seus ancestrais. Nada de fotos, por respeito. De lá, voltamos pelo caminho que havíamos percorrido, cumprimentamos novamente as simpáticas mulheres – mais risos e cumplicidade – e retornamos para o barco, para os meandros.

E aqui estamos nós agora, seminus nas águas do rio Cartí Grande, para que nenhuma vibração ruim do neguan nos acompanhe. Isso não é apenas uma reportagem, é uma experiência da qual tenho certeza de que me lembrarei para sempre. “O deus do jornalismo me ajudou hoje”, escreverei em meu caderno naquela noite, no pequeno quarto ao lado do cais principal onde fiquei hospedado todos esses dias.

Milímetro por milímetro

Em 11 de março de 2022, Laurentino Cortizo e Rogelio Paredes, presidente do Panamá e seu ministro da Habitação, visitaram Isberyala quando a obra estava pela metade, mas a construtora ainda estava recebendo pagamentos e o trabalho estava progredindo em um bom ritmo. Foi uma visita-relâmpago: helicóptero, casa-modelo, fotos, caminhada pela rua mais bonita, vídeo, reunião com os líderes de Gardi Sugdub, mais fotos e vídeos, e retorno à capital.

O presidente Cortizo garantiu que voltaria a Isberyala em setembro de 2023, para inaugurar com grande alarde o assentamento que representa o compromisso de seu governo para com o povo Guna e o combate aos efeitos da crise climática. Essa data prometida tampouco será cumprida.

“Agora nos disseram que será em fevereiro de 2024”, conta Sergio por telefone, oito meses depois de termos nos abraçado e nos despedido no pequeno porto de onde zarpam os barcos para sua ilha.

Continuei a conversar com ele ao longo desse período. Por algum tempo, ele foi apontado como presidente do Comitê de la Barriada. E graças a Babdummad e Nandummad, me disse, o mar do Caribe os respeitou e não houve nenhuma inundação significativa em Gardi Sugdub este ano.

E, sim, o mar do Caribe continuará a subir milímetro por milímetro durante o século 21.

E, sim, as ilhas Gunayala continuarão com o relleno.

“An abege be inniggigwadba ibmar soged Gardi Sugdub negweburgi sunmaggalir”, me disse o saila José Davies quase no final de nossa conversa, em um tom que soava a repreensão.

Que seja verdade. Espero que eu tenha estado à altura da tarefa, saila. Doggus nued!

***

Roberto Valencia é jornalista. Nasceu no País Basco em 1976 e vive em El Salvador desde 2001. Suas crônicas, reportagens e colunas são publicadas no The Washington Post, El País, piauí, RT, Gatopardo, BBC, Vice, Internazionale e The New York Times. Recebeu, entre outros prêmios, o Gabo 2020.

Esta reportagem faz parte do projeto Colapso, da Dromómanos, uma produtora de jornalismo independente sediada no México.


Sobre a Dromómanos
A Dromómanos é uma produtora mexicana de jornalismo independente que investiga, treina e conduz experiências para contar a história da América Latina, com jornalistas de toda a região. O projeto nasceu em 2011, quando seus fundadores, Alejandra S. Inzunza e José Luis Pardo Veiras, viajaram pelo continente a bordo de um Volkswagen Pointer de terceira mão, tentando criar um novo modelo jornalístico de cobertura continental e documentando, com mais de 20 reportagens longas e o livro Narcoamérica, a maneira pela qual o tráfico de drogas afeta a vida de nossas sociedades em toda a América Latina. Nesses doze anos, a Dromómanos trabalhou com mais de 100 colaboradores e se aliou a 60 meios de comunicação nacionais e internacionais para narrar as questões mais urgentes para os latino-americanos, como a violência, a crise do clima, o autoritarismo, a migração e a corrupção.

Sobre o projeto Colapso
O que acontece quando a força da natureza encontra as misérias da humanidade? Em poucos lugares é possível obter uma resposta mais contundente a essa pergunta sobre nosso presente e futuro do que na América Latina, a região mais desigual e uma das mais biodiversas do mundo. Colapso se aprofunda nas selvas, montanhas, ilhas, florestas, desertos, oceanos e cidades da região para contar, de perto, a história dos sintomas e das consequências da crise do clima.

Reportagem, texto e fotos: Roberto Valencia
Checagem: Dromómanos
Revisão ortográfica (português): Valquiria Della Pozza
Tradução para o português: Paulo Migliacci
Tradução para o inglês: Charlotte Coombe
Edição visual e montagem de página: Viviane Zandonadi, Lela Beltrão e Érica Saboya
Direção: Eliane Brum

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