Nossa Voz
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Bem-vinda, bem-vinde, bem-vindo ao mundo flutuante
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Jonathan Watts
Altamira, Rio Xingu, Amazônia
É só o começo. Esta é a verdade desconfortável da qual não podemos escapar quando olhamos para as imagens da colossal devastação no Rio Grande do Sul.
Uma das piores e mais intensas inundações da história do Brasil levou pelo menos 149 vidas, forçou a evacuação de mais de meio milhão de pessoas (incluindo vários integrantes e parentes da comunidade SUMAÚMA) e deixou cerca de 2 milhões sem eletricidade nem água potável. Imagens surreais de estradas transformadas em rios e estádios de futebol convertidos em lagos, além de um cavalo preso num telhado, superaram as expectativas de uma realidade estável. Cidades inteiras do Rio Grande do Sul ficaram à deriva. E a certeza parece ter perdido o rumo.
Nesta edição, publicamos um angustiante artigo de opinião escrito por uma moradora de Porto Alegre, a bióloga e jornalista Jaqueline Sordi. Ela questiona os motivos de inúmeros avisos terem sido ignorados e explora o jogo fútil de culpabilização entre políticos que pouco ou nada fizeram para resolver os problemas em sua raiz. Outra voz do Rio Grande do Sul que participa desta edição é a do artista de SUMAÚMA Pablito Aguiar, que vive em Alvorada. Ele entrevistou pessoas de cidades próximas a Porto Alegre e desenhou as situações tristes e desesperadoras em que muitas se encontram agora.
A onda de calor em curso – e as inundações e secas a ela associadas – talvez tenha sido vista por alguns, no início, como algo atípico, um ponto fora da curva. Mas o fato é que os acontecimentos assustadores são cada vez mais frequentes num mundo que flutua na crescente instabilidade climática.
Os arquitetos de Porto Alegre estão reconhecendo que a cidade precisa ser redesenhada. O concreto e o asfalto colocados sobre praticamente cada centímetro das áreas urbanas criaram armadilhas fatais ao permitir que as torrentes de água fluam rapidamente, dificultando a fuga da população durante chuvas fortes e inundações. Prejudicando em especial o deslocamento de grupos vulneráveis, como o das pessoas velhas. Agora, os urbanistas querem mais espaços verdes e abertos, mais árvores e solos permeáveis e pantanosos que possam absorver as chuvas. Faz sentido, mas por que ficar só nisso? A mesma lógica que se aplica à cidade vale para o mundo. O planeta inteiro precisa de amortecedores climáticos. As florestas, os oceanos, as zonas úmidas e os outros biomas sempre absorveram os excessos. São eles, afinal, que viabilizam a capacidade da Terra de se adaptar às mudanças. Ou seja: para que essa tecnologia natural funcione, temos de cuidar da floresta e de seus cuidadores. |
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