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Edição 29 |
quinta-feira, 09 novembro, 2023 |
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Nossa Voz
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Fedemos a crime
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Eliane Brum, Médio Xingu, Altamira, Amazônia, Brasil
Semeadora e diretora de SUMAÚMA
A Amazônia – e a nossa vida – vão virando fumaça. Fazia muitos anos que não havia tantos focos de calor na floresta num mês de outubro. Na maior bacia hidrográfica do mundo, falta água para beber. Na maior floresta tropical do planeta, o ar se tornou difícil de respirar.
Altamira, onde SUMAÚMA é baseada, completou 112 anos na segunda-feira (6/11) envolta pela fumaça das queimadas. À noite, a primeira chuva depois de semanas fez a floresta inteira cantar, sapos e guaribas liderando as sinfonias. Quando a terra e as árvores sobreviventes amanheceram molhadas no dia seguinte, os papagaios passavam em bandos barulhentos, vindos de todos os lados. Tanto eles como nós sabemos que a chuva foi só um momentâneo alívio, uma lufada de ilusão. Nunca como nesta seca extrema de 2023, com a fumaça densa bloqueando qualquer possibilidade de enxergar algum horizonte, a certeza de estar testemunhando o fim do mundo chegou para tantos.
Na linha de frente dessa guerra movida contra a natureza, há cada vez mais pessoas com dificuldades de sair da cama – ou da rede – para mais um dia com o cheiro de queimado rastejando pelas roupas e pela pele. Esse cheiro é o do crime – e ele se infiltra em nós. Fedemos a crime. |
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