Querida Comunidade Sumaúma,
Esta é a semana mais importante de nossas vidas, como coletivo, como gente que se conjuga no plural. Para muitas e muitos, aqui na floresta, é bem mais do que isso: é a decisão sobre se têm chance de viver ou se as balas que, nestes últimos 4 anos procuraram a sua cabeça e a de seus filhos, os alcançarão a partir de 1 de novembro. É o que acontecerá se Jair Bolsonaro for reeleito. Isso não é exagero nem discurso de eleição. Só acha que é hipérbole quem não consegue enxergar além de seus privilégios. Essa é a realidade na floresta amazônica e também em outros enclaves da natureza, como o Cerrado e o Pantanal. Nós, de SUMAÚMA, afirmamos e comprovamos isso a cada reportagem.
Na semana que passou, houve dias em que eu, pessoalmente, senti um peso tão forte no peito ao ver o sol sanguíneo produzido pelos incêndios criminosos da base de Bolsonaro na Amazônia que achei difícil caminhar. Mas caminhei, caminhamos. Me sinto impotente por me descobrir incapaz de fazer as pessoas compreenderem que é a vida delas que está em risco de morte. Não apenas a vida dos defensores da floresta que estão na linha de frente dessa guerra movida contra a natureza, mas também a minha e a sua. Sem a Amazônia, não será possível viver com alguma qualidade neste planeta. É ela a grande reguladora do clima. A floresta é muito, mas muito mais do que isso, mas, ainda que for por egoísmo, lute por cada voto por Lula porque dele depende o futuro bem próximo da Amazônia e, portanto, a sua vida e a das crianças perto de você.
Nesta quarta newsletter, as jornalistas Carla Jimenez, Verónica Goyzueta e eu fizemos uma entrevista com Marina Silva, na visão de SUMAÚMA a política mais importante da frente ampla de apoio a Lula. Contamos ali por que entendemos que a deputada federal eleita ocupa um lugar muito singular e muito novo na história brasileira – e terá um papel fundamental no destino do Brasil dos próximos anos. Mas, principalmente, Marina nos conta por que perdemos o direito de ser estúpidos. Ela nos instiga a alargar a paisagem de nossa mente e lutar. Leia. E lute.
A jornalista Catarina Barbosa foi até o arquipélago do Marajó, onde está o pior Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil, para checar as denúncias que Damares Alves fez em 8 de outubro, em um culto eleitoreiro, sobre as crianças dos 17 municípios. Como é o hábito da ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de Bolsonaro, Damares atira horrores ao vento, com o objetivo de reeleger seu chefe, sempre contando com a impunidade que o bolsonarismo ampliou no Brasil ao ocupar o poder. Diante disso, SUMAÚMA esteve no Marajó para fazer o que o bom jornalismo faz: buscar a verdade. E a verdade que encontramos é que a senadora eleita pelos Republicanos em 2 de outubro mente. E sua mentira oculta várias verdades sobre a desastrosa atuação do governo Bolsonaro nessa região amazônica.
Ilana Katz é uma das mais importantes pesquisadoras das infâncias, no campo da psicanálise, o que a faz atuar tanto com as crianças das Redes da Maré, no Rio de Janeiro, quanto com as crianças do bairro Santa Benedita, um dos mais pobres da periferia da cidade amazônica de Altamira, no Pará, como conselheira da organização Aldeias. Com essas credenciais de ponte entre mundos e entre infâncias, Ilana se debruçou sobre os fatos, os atos, as políticas e os vetos de Jair Bolsonaro nestes quase quatro anos de governo. Em artigo de opinião, ela nos mostra como Bolsonaro determinou quem são as meninas e os meninos matáveis do Brasil e como essa escolha afeta todas as crianças, inclusive as filhas e filhos da minoria privilegiada do país.
Carolina Santana, assessora jurídica do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), escreveu um texto doído sobre como a violação dos corpos dos indígenas continua a acontecer mesmo após a sua morte. Segundo informações obtidas por Carolina e organizações indígenas, o homem conhecido como “índio do buraco” foi reduzido a duas caixas de ossos e segue insepulto quase dois meses após sua morte. Depois de viver sozinho por 25 anos, porque seu povo inteiro foi exterminado por grileiros e madeireiros, ele se ornamentou para morrer. Sozinho. Mas sequer sua morte foi respeitada.
Não se esqueça de ver o que Guariba tem a nos dizer no traço de Pablito, nosso jornalista em quadrinhos. Guariba, que não pode votar, mas que será profundamente afetado pela eleição do próximo domingo. Possivelmente mais afetado do que nós.
Deveríamos estar debatendo uma democracia que vá além das pessoas humanas, que contemple os direitos da natureza, mas Bolsonaro, os 51 milhões que votaram nele e tudo o que ele representa, nos condenam a apenas lutar para que o Brasil continue sendo pelo menos uma democracia incompleta após 30 de outubro. Uma democracia em que a desvinculação da taxa real de inflação no reajuste do salário mínimo e dos benefícios da previdência não seja tramada a portas fechadas para depois das eleições; uma democracia em que o presidente não seja um extremista de direita que estimule o armamento da população, multiplicando o número de armas circulando no Brasil, com os resultados que acompanhamos dia após dia. Uma democracia incompleta é imensamente melhor do que uma ditadura. E eu falo não só do que estudei e me contaram, mas do que vivi na ditadura empresarial-militar que se estendeu por 21 anos no Brasil.
Todas, todes, todos temos uma única missão até o próximo domingo. Lutar pelo voto dos indecisos, dos que votaram em branco ou anularam o voto, dos que não compareceram às urnas. Não há espaço ético para ficar em cima do muro. Omissão é ação em momentos-limite como o que vivemos. Pegue o que você sabe fazer e se coloque a serviço da democracia. Não conseguiremos convencer um bolsonarista convicto, como nos ensina Elisa Estronioli, jornalista e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que deixou sua casa e sua família na periferia de Altamira e foi para Belém se somar à luta pelo voto dos indecisos. Mas conseguimos, com fatos, provas, argumentos legítimos, mostrar por que precisamos impedir a reeleição de Bolsonaro. É ela quem nos lembra da frase de Carlos Marighella, que enfrentou a ditadura e foi executado por seus agentes: “A única luta que se perde é aquela que se abandona”.
Eliane Brum
Idealizadora e diretora de redação de SUMAÚMA
Igarapé próximo à aldeia do Demini, na Terra Indígena Yanomami, no estado do Amazonas. Foto: Pablo Albarenga/SUMAÚMA