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Três imponentes sumaúmas cresceram às margens de um igarapé que hoje recebe esgoto. Cercadas por um bairro, acabaram sentenciadas à morte. Foto: Adriana Duarte Bencomo/SUMAÚMA

Elas são majestosas. Lado a lado, as três sumaúmas gigantes formam uma impressionante montanha verde que parece querer abraçar a cidade árida. Se tivessem mãos, poderiam envolver em seu corpo o bairro inteiro de Asa Branca, em Boa Vista, capital de Roraima, e consolá-lo da tristeza de seu asfalto cinza e de seus muros altos com cercas de arame farpado. Elas estão ali há uns 50 anos, são lar e se conectam com diversos outros seres não humanos. Acompanharam o bairro nascer e crescer ao seu redor. Mas, agora, correm o risco de desaparecer. Foram sentenciadas à morte sob a justificativa de que “ameaçam” vidas humanas.

As três samaúmas fazem parte de uma das espécies mais importantes da Amazônia, que crescem às margens de rios, riachos e igarapés e fornecem água potável no período de seca. Quando suas sapopemas [conjunto de raízes] atingem o volume máximo de umidade, as samaumeiras soltam o excesso de líquido, formando um sistema de irrigação natural em todo o seu entorno. Suas sapopemas são responsáveis por buscar água nas profundezas dos solos e abastecer todo um ecossistema.

Com uma expectativa de vida que pode ultrapassar 500 anos e cerca de 30 metros de altura, as três sumaúmas são mais antigas que o próprio bairro de Asa Branca, surgido na década de 1980. Localizadas dentro de um terreno do Centro Espírita Estrela do Oriente, podem ser ceifadas porque o proprietário solicitou ao poder público local uma autorização para “retirá-las” dali. E conseguiu, ainda que os argumentos que baseiam a permissão sejam contestados por especialistas.

As árvores acusadas de ameaçar vidas humanas estão cercadas por um muro, dentro do terreno de um Centro Espírita. Foto: Adriana Duarte Bencomo/SUMAÚMA

O local onde ficam as árvores está às margens do igarapé Pricumã, que passa pelos bairros Pricumã, Asa Branca, Cinturão Verde e Jóquei Clube. Com o crescimento do Asa Branca, o igarapé foi canalizado e hoje recebe grande quantidade de esgoto. O terreno do centro espírita é o último da quadra, já no limite com o igarapé, ou seja, não há outras residências ou construções ao lado das sumaúmas: o único prédio próximo às árvores é o da própria instituição religiosa.

“Todo mundo aqui do bairro sabe quem são elas [as sumaúmas]. Todo mundo que mora aqui comenta uma história com as árvores. Tem pessoas mais velhas falando que brincavam ao redor delas… Muita gente!”, conta a jovem ambientalista Adriana Feitosa, de 24 anos. Moradora do Asa Branca, ela organizou mobilizações de protesto nas redes sociais, apelando à sociedade local e ao poder público pela manutenção das árvores. Segundo ela, a cada dia mais pessoas apoiam a campanha pela vida das sumaúmas. Uma petição on-line, lançada por movimentos sociais de Roraima, também está coletando assinaturas em favor da permanência das árvores. E artistas roraimenses se reuniram para compor uma música para tentar sensibilizar o poder público pela não derrubada.

Mantê-las em pé, entretanto, se tornou uma batalha contra as instituições públicas e a cultura de que árvores são dispensáveis e substituíveis. A licença para derrubá-las foi dada pela Secretaria de Meio Ambiente de Boa Vista em 31 de maio de 2023. O órgão concordou com o argumento do laudo apresentado pelo proprietário de que elas correm o risco de cair. SUMAÚMA pediu ao menos quatro vezes por e-mail e duas vezes por mensagens de WhatsApp para ter acesso ao documento que embasou a decisão, mas a gestão municipal não concedeu. A licença para a derrubada acabou perdendo a validade 20 dias depois, informou a prefeitura, mas nada impede que uma nova autorização seja dada, com base nos mesmos argumentos considerados falhos e já aceitos antes.

“O que está comprometido é a estrutura física das árvores. Sugerimos que procurem o proprietário para mais informações”, limitou-se a responder o órgão público, por meio de nota. O engenheiro agrônomo José Beethoven Figueiredo Barbosa, professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), é quem assina o laudo aceito pela prefeitura. Procurado, ele disse que estava em viagem de férias e não poderia dar entrevista – também não enviou o laudo, pedido pela reportagem.

SUMAÚMA fez ainda uma terceira tentativa para obter o laudo. Procurou o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Roraima (Crea-RR), onde o documento foi protocolado para o trâmite de autorização da prefeitura. O Crea também não o divulgou e, por nota, afirmou que não poderia fornecer as informações solicitadas devido a restrições impostas pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

A pressão dos moradores, contudo, obrigou a prefeitura de Boa Vista a se manifestar publicamente sobre o destino das sumaúmas. Um vídeo do secretário municipal de Meio Ambiente, Alexandre Santos, ao lado de servidores da Defesa Civil, circulou nas redes sociais no fim do ano passado. Ele explica que foi ao bairro Asa Branca, em nome do prefeito Arthur Henrique Brandão Machado (MDB), acompanhado de uma equipe técnica e do professor José Beethoven para avaliar a situação.

RESPONSÁVEL PELO LAUDO, PROFESSOR JOSÉ BEETHOVEN (DE ÓCULOS ESCUROS) AFIRMA QUE ÁRVORES ESTÃO CONDENADAS POR FALTA DE CERNE. ESPECIALISTAS CONTESTAM. FOTO: REPRODUÇÃO

O secretário inicia a fala afirmando que a gestão municipal se preocupa com a conservação ambiental e com a arborização da cidade. “Não é papel de prefeitura nenhuma cortar árvores, muito pelo contrário, o papel da Semma [Secretaria Municipal do Meio Ambiente] é preservar o meio ambiente”, diz. Antes de dar a palavra ao especialista que recomendou o corte das sumaumeiras, Santos frisa a necessidade de haver mais árvores nos espaços públicos da cidade e alega que a prefeitura tem investido no plantio.

No vídeo, o professor José Beethoven enfatiza que árvores da espécie sumaúma não possuem cerne, uma parte interna, mais dura da árvore. Por isso, sua sustentação é frágil e elas correm o risco de cair. “Ela é grossa, enorme, pesada, e não tem cerne.” Beethoven assegura que, por essa condição, sumaúmas são a espécie de árvore “que mais cai na Amazônia” – uma afirmação que não tem embasamento científico algum. O especialista aborda também a proximidade das sumaúmas de um igarapé, algo comum na Amazônia. Explica que se trata de “solos hidromórficos”, de “instabilidade enorme”. “Então a samaúma [é] grande, pesada, sem cerne, e [está] num solo que balança”, diz ele, movimentando o corpo enquanto fala.

Eles caminham até as sumaúmas e o secretário pergunta ao professor se há outras possibilidades, como poda ou alguma proteção que impediria sua morte. Mas Beethoven é categórico e só enxerga o corte como saída. “A expectativa, num curto espaço de tempo, é ter queda de galhos e, depois, da própria sumaúma.” Ele afirma que os galhos das sumaúmas são octogonais, pesam cerca de 700 quilos, “estão escurecidos, senis”, prestes a cair, e podem matar pessoas. O especialista alerta também sobre a proximidade de postes de luz e risco de as árvores provocarem um acidente elétrico ao atingir a fiação.

“Mas por que uma árvore tão frondosa pode cair?”, ele mesmo pergunta, enquanto, em uma nova “dança” com o corpo, simula o vento. “Ela balança, e ela é feita para balançar. Acontece que ela é feita para balançar igualmente. Mas elas não estão iguais. Estão descompensadas. E no giro, como não têm cerne, podem quebrar. É só vir um vento mais forte, numa direção, por exemplo, que elas não estão acostumadas. Que é o que acontece na floresta. O que a gente mais vê é samaúma quebrada. Ela não tem lenho, então ela roda, e ela quebra. E aí, despenca.” O autor do laudo termina com uma profecia: “Se acontecer alguma coisa, fica na responsabilização de quem está impedindo. Não estamos falando se vai acontecer. É quando”. Em comentários no vídeo, moradores pedem um segundo laudo.

O Centro Espírita da União do Vegetal, que pede a derrubada das árvores, usa plantas em rituais sagrados. Foto: Adriana Duarte Bencomo/SUMAÚMA

Um laudo misterioso

As justificativas apresentadas por José Beethoven foram contestadas por dois especialistas consultados por SUMAÚMA.

“Não ter cerne é o equivalente a dizer que a árvore está oca. Não tem como afirmar uma coisa dessa”, vaticina Carlos Eduardo Lucas Vieira, professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Formado em biologia e geologia, Vieira esteve no local onde vivem as sumaúmas, a pedido da reportagem. Segundo ele, elas aparentam estar saudáveis, com folhação bem desenvolvida, todas bem verdes, denotando uma boa saúde. Os troncos das árvores, que não estão inclinados, demonstram estabilidade, diz ele.

Ao analisar as samaumeiras e após assistir ao vídeo com os argumentos de Beethoven, ele ressaltou que é necessário um diagnóstico muito aprofundado para ter certeza sobre a necessidade de remoção das árvores e questiona a negativa da prefeitura e do profissional que assina o laudo em divulgarem o documento, o que suscita dúvidas e inseguranças. “Até o presente momento, não temos o documento explicando os pormenores científicos de por que as árvores ofereceriam insegurança aos moradores dos arredores. Gostaríamos de ter acesso ao laudo, ao documento, que está sendo negado.” Obviamente, argumenta o professor, se ficar claramente demonstrado que as sumaúmas realmente oferecem um risco, “então têm que ser cortadas”. “Ninguém é louco de dizer que não e acontecer uma tragédia”, enfatizou o professor, que apoia o movimento dos moradores.

Gregório Ceccantini, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), também fez vários apontamentos técnicos críticos após assistir ao vídeo, a pedido da reportagem. Doutor em botânica pela USP e pós-doutor pela Universidade de Harvard, no Holbrook Laboratory (Cambridge, Massachusetts), Ceccantini é especialista em anatomia e morfologia vegetal, anatomia da madeira, biologia de plantas parasitas, anatomia funcional e arquitetura hidráulica de plantas. O professor da USP também reforça que seria fundamental ter acesso ao laudo, por transparência e para entender que tipo de análise foi feita, de fato. Sobre a fala de Beethoven, ele enfatiza que “há erros conceituais graves, de falta de conhecimento de morfologia vegetal, de anatomia vegetal e de anatomia da madeira, e de aspectos de estabilidade estrutural de árvores”.

“O primeiro erro é falar que sumaúmas não têm cerne. Cerne não tem a ver com a madeira ser mais ou menos resistente. Cerne é a parte não funcional da madeira para a condução de água. É um pouco mais resistente que a parte de fora ou alburno, o brancal”, explica. Também é um equívoco dizer que “as árvores em pé não têm lenho”. “Árvore é feita de lenho. Lenho é madeira. Essa pessoa parece não saber o que é lenho.”

Haveria três possíveis soluções técnicas que evitariam a remoção no caso de algum comprometimento da árvore, diz Ceccantini. “Pode ser feita uma poda para equilibrar a árvore, ou uma poda chamada topping, para diminuir o porte dela, e também uma poda associada ao estaiamento, que é a instalação de cabos de aço ancorados em peças de concreto ao chão que impediriam uma possível queda. A poda diminui o porte da árvore e a alavanca que o vento faz nela.”

Para produzir uma avaliação técnica consistente, seria necessário usar instrumentos para perfurar a árvore e saber como ela está por dentro: “Usamos um penetrógrafo, um trado de incremento [sonda que mede a idade e a taxa de crescimento das árvores], tomografia de ultrassom, tomografia de indução para fazer uma imagem de como está a árvore. Não justifica abater uma árvore porque eu acho que está grande, eu acho que está desequilibrada, eu acho que vai puxar os fios”.

O professor do Instituto de Biociências da USP destaca outra afirmação inusitada de Beethoven: “Outra informação muito errada, e não sei de onde ele tirou, é que a samaúma é a árvore que mais cai na Amazônia. Gostaria que ele mostrasse o trabalho científico que avaliou isso. Isso não existe. É chute”.

Mesmo com avaliações técnicas bem fundamentadas ainda há risco de queda de árvores, ressalva Ceccantini, já que as mudanças climáticas têm aumentado de maneira significativa a intensidade dos ventos. “O número de quedas aqui em São Paulo, por exemplo, é enorme. São milhares por ano, mas não é por isso que vamos cortar todas as árvores preventivamente. Isso está errado.”

Carlos Eduardo Lucas Vieira, da UFRR, ressalta que a retirada drástica das samaumeiras poderia causar impactos até no clima da região. A temperatura certamente subiria, uma consequência imediata. Além disso, ele destacou que a permanência das árvores no local proporciona uma morada para uma infinidade de outros seres, como espécies de pássaros e abelhas nativas, aquelas abelhinhas sem ferrão. “As sumaúmas criam um microecossistema que permite o desenvolvimento de outros seres vivos embaixo delas. A partir do momento que a gente as suprime, acaba-se com tudo isso e vira uma selva de pedra.”

A reportagem tentou contato com dirigentes do Centro Espírita Estrela do Oriente para entender por que consideram que as árvores representam um risco à população. Contatos telefônicos e por e-mail não foram atendidos. Por mensagem de WhatsApp, um dos diretores afirmou que os proprietários não têm “nada a declarar sobre o assunto”. Mais uma vez, o laudo pedido foi negado.

As três sumaúmas viram o bairro nascer e crescer e fizeram parte da infância dos moradores, que pedem sua permanência. Foto: Adriana Duarte Bencomo/SUMAÚMA

Almas vivas, guardiãs da cidade

O centro espírita foi o primeiro núcleo da União do Vegetal em Roraima, considerada uma religião cristã e reencarnacionista, que usa em suas cerimônias o chá ayahuasca, feito a partir de cipó mariri (Banisteriopsis caapi) e das folhas da árvore chacrona (Psicotria viridis), com efeito alucinógeno.

As três samaúmas também são, ironicamente, enxergadas como um elo de espiritualidade pelos profissionais do centro. Por dois anos, Elda Santos, 30 anos, pesquisadora e mestranda em Letras, frequentou o Centro Espírita Estrela do Oriente e criou uma conexão com as sumaúmas. Dona Maria, uma dirigente do centro que fazia o ritual dos chás, a convidou para conhecer as árvores. “Encantei-me com a exuberância das três árvores, enquanto Dona Maria compartilhava a essência e o poder singular daquela que representava uma sentinela espiritual. No instante em que ela entoava o canto melódico da sumaúma, suave aos ouvidos, eu abraçava a árvore e vivenciava uma experiência intensa.”

Elda disse que estabeleceu o contato com o espírito guardião das sumaúmas, e a notícia de que elas correm o risco de serem cortadas a deixou profundamente entristecida. “Aquelas árvores, almas vivas, guardiãs desta cidade, são sentinelas que zelam pela proteção do nosso clima, já tão debilitado. Que o valor dessas árvores ecoe em nossos corações, despertando em nós o compromisso de preservar.”

Quem também embarcou nas mobilizações em defesa das sumaumeiras foi o defensor público Jaime Brasil Filho. Roraimense, ele afirma que Boa Vista, nos últimos anos, perdeu muita cobertura vegetal. Num momento de acontecimentos climáticos extremos, ele alerta sobre a necessidade de mudança da lógica desenvolvimentista do planeta. “É uma luta simbólica de um tempo, de um momento histórico que o mundo está passando. Nós precisamos mudar o paradigma existencial, de desenvolvimento que nós queremos para o futuro, porque senão a sobrevivência da espécie humana neste planeta vai ficar inviável”, disse o defensor.

As três pessoas-árvores parecem querer abraçar o bairro que se tornou hostil a elas. Foto: Adriana Duarte Bencomo/SUMAÚMA

Jaime Brasil explicou que a Constituição prevê o princípio da função ambiental da propriedade, ou seja, o proprietário deve agir para proteger o meio ambiente e o interesse social. A administração municipal, enfatiza o defensor, é a única com poderes para autorizar ou negar o corte das árvores. Uma possibilidade para salvar as sumaúmas, explica Jaime, seria a prefeitura optar por indenizar, de forma justa, o proprietário do imóvel e transformar o terreno num parque para visitação pública. “A pressão política é importante para que a prefeitura tenha consciência de que grande parte da municipalidade não quer que essas árvores sejam suprimidas”, disse o defensor.

Em nota enviada à reportagem, a prefeitura de Boa Vista afirmou que “não faz retirada de árvores em áreas particulares” – mas é importante frisar que a remoção de qualquer árvore só pode ser feita com a autorização da administração municipal. Diante da polêmica que o corte das árvores despertou em Boa Vista, a prefeitura informou, apesar de não ter sido questionada diretamente sobre esse tema, que nas áreas públicas “faz o plantio de árvores para manter a cidade sempre arborizada”. Somente o comprometimento de uma edificação, ou de vias de drenagem e esgoto, argumentou o órgão, seriam razões para remoção de árvores. “Ainda assim, a prefeitura avalia todas as possibilidades para manter a árvore em pé e descartar a opção de retirada”, diz a nota. No caso das sumaúmas, frisa que a responsabilidade é do proprietário do terreno fazer a remoção.

Com o laudo expirado, o centro espírita terá que solicitar nova autorização e novo parecer técnico para fazer o corte, segundo explicou a própria assessoria da Secretaria de Comunicação da prefeitura.

No fim do ano passado, uma denúncia anônima chegou à Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público de Roraima, que pediu à prefeitura informações para analisar a fundamentação do laudo. No início de janeiro de 2024 as respostas da prefeitura foram enviadas à Promotoria, que decidiu, no dia 8 do mesmo mês, arquivar a denúncia. Segundo o Ministério Público, a prefeitura apresentou “pareceres técnicos dos órgãos ambientais municipais, além de laudo da perícia de avaliação de risco das árvores realizado por um engenheiro agrônomo”.

No despacho, a Promotoria informa que, “de acordo com o laudo, a espécie não se enquadra na lista de árvores isentas de corte e tombamento, existe o comprometimento cabal de ordem estrutural nas três árvores, deformidades irreparáveis que apenas a poda ocasionaria a queda, comprometimento de fiação e postes, sendo evidente alto risco de sinistro; comprometimento na rede de esgotos e ao Igarapé Pricumã, risco iminente à vida humana, por ser local de alto tráfego de pessoas (sede religiosa), e também risco ao patrimônio privado”. O MP certifica, ainda, que foi firmado um Termo de Compromisso Ambiental com a Secretaria de Meio Ambiente e com o centro espírita, proprietário do terreno onde estão as árvores, “para que as sumaúmas sejam retiradas e sejam plantadas três mudas com o devido acompanhamento da Superintendência de Proteção Ambiental”. Três mudas que demorariam ao menos 50 anos para chegar a esse tamanho, se conseguissem se desenvolver sem atrapalhar os humanos.

‘Sumaúma chama a chuva, traz energia boa para respirar’

Longe da cidade de Boa Vista, no meio da floresta Amazônica, na região do Demini, Terra Indígena Yanomami, vive o líder indígena Davi Kopenawa Yanomami, maior referência de seu povo, incansável defensor da Amazônia brasileira e da Terra-Floresta.

Na sede da Hutukara Associação Yanomami (HAY), em Boa Vista, da qual Kopenawa é presidente, ele foi convidado pela reportagem de SUMAÚMA a visitar as árvores ameaçadas de morte. De longe, Kopenawa avista as gigantes sumaúmas e desce do carro já impressionado com as três árvores. Passava das 4 da tarde de um domingo, e as samaumeiras brilhavam entre os raios do sol, como grandes seres encantados.

“Essas árvores estão aqui no meio da cidade e uma pessoa que foi eleita prefeito não reconhece a alma da sumaúma. A sumaúma é quem chama a chuva, que traz energia boa para respirar bem, para não ficar doente. Essas árvores são três homens. Eles foram plantados aqui, gostaram e cresceram. São três poderes!”, disse Kopenawa.

Além de todo o bem-estar que uma árvore proporciona ao ser humano, para os povos da floresta elas têm um significado mais que especial. Na língua Yanomami sumaúma significa warimari. Suas folhas são utilizadas em rituais Yanomami para espantar e curar doenças. “O povo Yanomami usa a força do warimari. Quem usa a força do warimari são os pajés para lutar contra a doença, a xawara. A doença chega às comunidades e o pajé usa a força da árvore para bater e mandar embora a doença. Então, isso é sério. O warimari é reconhecido por pajé Yanomami. Ele é reconhecido para ajudar a proteger as comunidades”, explicou Kopenawa, debaixo de uma das três samaúmas.

As três pessoas-árvores aguardam o destino traçado pelos humanos.

* esta reportagem usa os quatro nomes pelos quais a árvore sumaúma é conhecida na Amazônia: sumaúma, samaúma, sumaumeira e samaumeira


Reportagem e texto: Evilene Paixão
Checagem: Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Tradução para o espanhol: Julieta Sueldo Boedo
Tradução para o inglês: Sarah J. Johnson
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Montagem de página e acabamento: Érica Saboya
Edição: Malu Delgado (chefia de reportagem e conteúdo), Viviane Zandonadi (fluxo e estilo) e Talita Bedinelli (editora-chefa)
Direção: Eliane Brum

O líder Yanomami Davi Kopenawa pede respeito: ‘A sumaúma chama a chuva, que traz energia boa para respirar bem, não ficar doente. São três poderes’. Foto: Adriana Duarte Bencomo/SUMAÚMA

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