Jornalismo do centro do mundo

OS PRESIDENTES LULA (BRASIL) E GUSTAVO PETRO (COLOMBIA) NA cidade de Leticia durante REUNIÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA ANTES DA CÚPULA DA AMAZÔNIA, EM JULHO DE 2023. Foto: Andrea Puentes/presidência da Colômbia

Querida comunidade,

Entre os dias 4 e 9 deste mês de agosto, Belém se ensaia como a capital mais importante do norte do Brasil ao receber, primeiro, a sociedade civil para os Diálogos Amazônicos e, depois, os presidentes dos países que abrigam a maior floresta tropical do planeta na Cúpula da Amazônia. O objetivo é debater o desenvolvimento da região no momento em que a floresta se aproxima do ponto de não retorno – o que significa que, enfraquecida pelo desmatamento e pela degradação, perderá a capacidade de regular o clima. O problema é que há um bode gigante na sala ou, para ser mais fiel aos habitantes não humanos do bioma, uma anta, criatura muito inteligente, apesar da má fama que lhe foi dada por quem não a conhece bem. Essa anta se chama petróleo.

Gustavo Petro, o presidente da Colômbia, propôs barrar qualquer novo contrato de exploração de petróleo na Amazônia. Luiz Inácio Lula da Silva, na liderança do país que é o maior produtor de petróleo da região, desconversou. Tudo indica que os demais presidentes presentes – nem todos virão – ficarão mais perto de Lula do que de Petro. Às voltas com problemas variados, membros de uma geração à qual o petróleo foi vendido como salvação, os presidentes parecem se mover tanto por questões econômicas imediatas quanto por uma subjetividade moldada pelo arrogante século 20, aquele em que tudo poderia ser resolvido pelo homem. A exceção pode ser o colombiano Petro.

Embora Lula tenha um discurso internacional forte de defesa da floresta, seu governo isolou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, no tema da exploração de petróleo na bacia da foz do Amazonas e pouco protestou quando o Congresso desmatou parte de seu ministério. Apesar de o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ter negado licença à Petrobras para perfurar um poço na costa do Amapá, a guerra interna continua, capitaneada pelo Ministério de Minas e Energia. Mas é graças aos esforços da pasta do Meio Ambiente e aos serviços ambientais prestados pelos povos indígenas e pelas populações tradicionais que Lula pode dizer que os alertas de desmatamento na Amazônia caíram 33,6% no primeiro semestre deste ano, comparado ao mesmo período do ano passado, quando o Brasil ainda era governado pelo extremista de direita Jair Bolsonaro (PL).

Os fatos mostram que Lula, presidente do país que abriga 60% da floresta amazônica, tem as melhores cartas na mão para ser o grande protagonista internacional no momento em que o colapso climático e a extinção em massa das espécies estão no centro da pauta global por uma questão de prioridade máxima: a sobrevivência na casa-planeta. Entretanto, Lula, que ainda cultiva a certeza de que ser um bom presidente é garantir um carro na garagem, um churrasco e uma cerveja na mesa para todos, tem se equilibrado com dificuldade neste novo papel exigido por um planeta acossado por eventos extremos de uma crise climática produzida, justamente, pelo uso de combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás. O presidente que até agora despontou na região com um discurso contundente de defesa das novas gerações é Petro. Mas também ele está sob forte pressão interna e pode recuar. Será muito interessante acompanhar o que acontecerá – ou o que não acontecerá – nesta cúpula realizada após o mês de julho mais quente dos últimos 120 mil anos.

Sabemos que são temas difíceis, mas fazer parte deste debate não é opcional. A menos que você esteja no time das pessoas que preferem assistir à destruição da vida sem fazer nada para impedi-la. Nesse sentido, o melhor exemplo vem da sociedade civil do Equador, que lutou – muito – para conseguir realizar um plebiscito sobre a exploração de petróleo na Amazônia. Em 20 de agosto, os equatorianos tomam sua decisão pelo voto, junto com a escolha do próximo presidente. O tema é um dos muitos que estarão em debate nos Diálogos Amazônicos, que se iniciam nesta sexta-feira, 4 de agosto, quando o protagonismo estará com a sociedade organizada. Espera-se uma discussão à altura da temperatura do momento.

SUMAÚMA estará presente. Acompanhem – em nossas três línguas – o cotidiano dos Diálogos Amazônicos e da Cúpula da Amazônia pelas nossas redes sociais e pela nossa plataforma.

Nesta newsletter vocês já poderão compreender o que está em jogo por duas reportagens de profundidade, para que nossos leitores possam participar de um debate que afeta diretamente suas vidas com a melhor informação. A primeira é de nossa repórter especial Claudia Antunes, que mostra que, apesar da necessidade de reduzir os combustíveis fósseis para dar uma chance de vida com qualidade às crianças que já nasceram, tudo indica que a exploração de petróleo tende a crescer na Amazônia brasileira. Na outra reportagem, Priscila Pacheco, do Observatório do Clima, explica diversos projetos de exploração de combustíveis fósseis que estão em curso em países da América Latina, na contramão das metas do Acordo de Paris. Mas conta que pelo menos existe a resistência da sociedade organizada do Equador.

Belém, a capital do desmatado e violento Pará, está no centro das atenções neste período, para a satisfação do governador Helder Barbalho (MDB), que tem buscado se vender como “governador verde”, apesar das enormes contradições de seu estado. A repórter Brenda Taketa revela nesta edição que cidade é essa que agora recebe a Cúpula da Amazônia e, em 2025, será a sede da Cúpula do Clima, a COP-30, o maior evento climático global.

Na maré-baixa, barcos de diversos estados do país encalham aos fundos do mercado Ver-o-Peso, em Belém, na Amazônia brasileira. Foto: Alessandro Falco/Sumaúma

Como a jornalista prova, será preciso muito trabalho para tornar Belém uma capital sustentável e especialmente para garantir o acesso daqueles mais atingidos pelo aquecimento global, até agora em grande parte apartados do debate que determinará suas vidas. Como aconteceu em outras COPs, são os grandes vilões que financiam as obras de preparação. No caso de Belém, destaca-se a mineradora transnacional Vale, responsável por dois dos maiores desastres socioambientais da história, o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho. Até onde pode ir o cinismo? É preciso ler a reportagem de Brenda para descobrir.

Há bem mais nesta edição. Tudo cuidadosamente apurado, checado, revisado e traduzido para que nosso leitor ativo tenha as melhores condições para se lançar nos debates do nosso tempo. Não deixem de assistir ao curta de animação feito pelos guardiões da Volta Grande do Xingu e por cineastas. E acompanhem toda quinta-feira os novos episódios de Guariba, a história em quadrinhos que nos conta a floresta a partir de uma perspectiva não humana. Para as crianças, para os adultos, para quem ama a natureza e quer conhecê-la melhor pela experiência da arte, Guariba é a prova de que a ternura é possível mesmo nas horas brutas.

Seguiremos contando a vocês, com o melhor jornalismo, o que é preciso saber para salvar nossa casa-planeta – e para corresponder à responsabilidade devida às novas gerações.

Eliane Brum
Idealizadora e diretora de SUMAÚMA


Revisão ortográfica (português): Elvira Gago
Tradução para o espanhol: Julieta Sueldo Boedo
Tradução para o inglês: Mark Murray
Edição de fotografia: Mariana Greif
Montagem da página: Viviane Zandonadi e Érica Saboya

CENA DA ANIMAÇÃO HIDROGRAMA DAS PIRACEMAS, FEITA PELA PRODUTORA CAMA LEÃO EM PARCERIA COM MORADORES E PROFISSIONAIS DA VOLTA GRANDE DO XINGU

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