Jornalismo do centro do mundo

Calor da hora: Lula e líderes globais, como o xeque Al Nahyan e a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (de rosa), na COP-28. Foto: Amr Alfiky/Reuters

A maior Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas acontece agora em Dubai, com 80 mil participantes discutindo centenas de temas da agenda da crise do clima. No entanto, em última análise, apenas um objetivo importa: reduzir as emissões de carbono o mais rapidamente possível, eliminando gradualmente os combustíveis fósseis e erradicando o desmatamento.

Para usar uma comparação adequada, qualquer coisa além disso é só uma bolha de ar quente. Os participantes da COP-28 podem dizer e prometer tudo o que quiserem sobre tecnologia verde, emissão zero, pagamentos de compensações, estudos científicos e outras iniciativas bem-intencionadas, mas nada disso será eficaz a menos que o mundo suspenda a acumulação de dióxido de carbono e outros gases de aquecimento do planeta na atmosfera. Esse desafio existencial, do qual depende toda a vida na Terra, só pode ser alcançado através da eliminação progressiva do carvão, do petróleo e do gás, além da restauração da saúde das infraestruturas climáticas mundiais: as florestas, os oceanos, os pântanos, as áreas úmidas e os outros centros de vida natural.

Se alguém ainda tinha dúvida sobre a urgência da crise climática, este ano horrivelmente destrutivo certamente fez todos perceberem que não podemos esperar mais um segundo: 2023 já está confirmado como o ano mais quente registrado até hoje e julho foi o mês de temperaturas mais altas em mais de 120 mil anos. Tivemos seca devastadora na Amazônia, inundações no sul do Brasil, ondas de calor nos picos andinos, incêndios no Canadá e morte e destruição em muitas partes do planeta. E é apenas o começo. Se as emissões dos combustíveis fósseis e das florestas continuarem aumentando, as temperaturas seguirão subindo durante décadas – e vamos olhar para trás em 2023 como um dos anos mais frescos de nossa vida. Em breve, não serão só os botos e os peixes morrendo em massa – serão as pessoas. “Estamos apavorados”, afirma, em carta aberta divulgada na COP-28, um grupo de 1.447 cientistas. “Se quisermos criar um futuro habitável, a ação [contra a crise] climática deve passar de algo que os outros fazem para algo que todos nós fazemos.”

Seca devastadora: no leito vazio de um rio no estado do Amazonas, homem carrega galão de água para enfrentar os impactos da emergência climática. Foto: Bruno Kelly/Reuters

A existência de SUMAÚMA é uma resposta a essa crise. Reconhecemos que o jornalismo de sempre não é suficiente. Como nossos leitores frequentes já sabem, estamos baseados na floresta Amazônica, o que significa que nossa perspectiva é de centro da vida, e não dos centros urbanos habituais de dinheiro e poder. Pretendemos amplificar as vozes das florestas e criticar as falsas soluções oferecidas por setores de atividades econômicas e indústrias antigas que impedem a mudança e empurram o mundo cada vez mais para perto do abismo.

Estamos cobrindo a COP-28 nesse espírito de colaboração com outras organizações. Nossa equipe de reportagem em Dubai inclui o podcaster Indígena e Ribeirinho Maickson Serrão, a veterana jornalista Claudia Antunes, a comunicadora Indígena Samela Sateré Mawé e a fundadora do Projeto Aldeias no Médio Xingu, Daniela Silva. Também nos juntamos aos jovens ativistas do Engajamundo, que produzem vídeos e outros materiais a partir da perspectiva de uma geração cujo futuro está ainda mais em risco diante do colapso climático.

A primeira semana da COP-28 mostrou a necessidade desesperadora de uma nova perspectiva. O sistema está dominado pelas próprias pessoas que mais lucram com o aumento das emissões de carbono. O presidente da atual conferência sobre o clima da ONU em Dubai é o sultão Al Jaber, que por sua vez é o CEO da maior empresa de petróleo e gás dos Emirados Árabes Unidos. Como muitos ativistas do clima brincaram, isso é o mesmo que pedir para a raposa tomar conta de um galinheiro ou para o Drácula administrar um banco de sangue.

Mas não é engraçado quando o homem encarregado de abordar o desafio mais difícil e importante da história humana diz, oficialmente, não acreditar que a erradicação dos combustíveis fósseis é a única maneira de limitar o aquecimento a 1,5 grau Celsius e que uma vida sem petróleo iria enviar a humanidade de volta às cavernas. Esses comentários foram totalmente refutados pelos cientistas, mas revelam a verdadeira face da indústria dos combustíveis fósseis. Uma indústria que tem sustentado o progresso há mais de três décadas.

Tudo isso torna a decisão do Brasil, de se alinhar ao maior cartel de petróleo do mundo, a Opep, ainda mais decepcionante. O momento do anúncio desse alinhamento, no início da cúpula sobre o clima, foi um soco na cara dos esforços internacionais para combater o aquecimento global. É brutalmente pragmático. O Brasil pretende expandir a produção de petróleo, desafiando o conselho da Agência Internacional de Energia de que 1,5 grau Celsius é impossível se os países abrirem novos campos de exploração. No dia seguinte ao encerramento da COP-28, o país vai realizar um leilão de dezenas de novos blocos para prospecção de petróleo. Todos esses passos significam mais seca, mais sofrimento, mais morte nos próximos anos.

O que pensa o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva? Ele montou uma reputação de democrata progressista que defende a igualdade social, mas a Opep é dominada por autocratas que governam alguns dos países mais desiguais do mundo. Lula disse que vai usar a oportunidade para convencê-los a reduzir os combustíveis fósseis, mas isso parece extremamente ingênuo. O presidente soaria mais convincente se admitisse que muitos países são hipócritas que bombeiam mais petróleo do que é compatível com uma meta de 1,5 grau Celsius. Entre os piores nesse quesito estão Estados Unidos, Reino Unido, Rússia e China. Mas isso também é uma espécie de loucura, porque tais países estão usando uns aos outros como desculpa para não fazer nada. Desesperados para não perder vantagens competitivas, eles olham assustados ao redor e perdem completamente de vista a ameaça em comum – e muito maior – do colapso climático.

Contradições: os presidentes Lula, do Brasil, que se alinhou à Opep na COP-28, e o sultão Al Jaber, da conferência do clima, que também é CEO da maior empresa de óleo e gás dos Emirados Árabes Unidos. Fotos: Evaristo Sa e Karim Sahib/AFP

O que move Lula é uma força de hábito do século 20. Líder sindical que cresceu na industrial São Paulo, Lula é de uma geração de idealistas de esquerda que se forjaram politicamente lutando por melhores condições materiais para as classes trabalhadoras. Era mais fácil fazer isso perfurando mais petróleo do que lutando por uma verdadeira igualdade. Mas, agora, os combustíveis fósseis estão aumentando o fosso entre ricos e pobres, trazendo bilhões de lucros para os acionistas das petrolíferas, enquanto as inundações, a seca e o fogo levam os pobres a uma miséria cada vez maior. Muitos da geração mais jovem de ativistas de esquerda percebem isso, mas Lula parece estar preso no passado quando se trata de projetos de infraestrutura com uso intensivo de petróleo e carbono. E a sua fraca posição política – que o deixou um tanto refém de um Congresso hostil – não ajuda.

É uma vergonha, pois Lula poderia ser o líder climático pelo qual o mundo está ansiando. Ele está numa posição melhor do que a maioria para assumir esse papel. O Brasil é uma superpotência ecológica. O governo Lula fez progressos impressionantes na redução do desmatamento (que representa metade das emissões do Brasil), estabelecendo metas climáticas ambiciosas, demarcando terras indígenas e colocando mais líderes indígenas em posições de poder. O presidente brasileiro tem razão em propor um novo fundo – anunciado pela ministra do Ambiente, Marina Silva – para recompensar os países que protegem e expandem as suas florestas, e proporcionar formas alternativas de rendimento para que seus habitantes fiquem menos inclinados a assumir atividades ilegais de exploração madeireira, mineração, apropriação de terras e outras atividades destruidoras. Também é encorajador que o seu governo tenha planos para aumentar as energias renováveis e os transportes limpos. Mas a afirmação de Lula de liderar pelo exemplo na COP-28 foi prejudicada por sua posição a respeito do petróleo.

Não é tarde demais para mudar. O Brasil vai sediar a COP-30 em Belém em 2025. Lula estará na posição mais poderosa de sua vida naquela reunião. É uma enorme responsabilidade. Com o evento acontecendo a um ano de uma possível reeleição, a questão é se Lula vai ficar com seus instintos petrolíferos e os aliados do século 20 ou assumir o papel genuíno de liderança, fazendo da primeira cúpula climática na floresta Amazônica um verdadeiro ponto de virada, colocando a natureza no centro e os combustíveis fósseis na periferia. Hoje isso pode parecer uma perspectiva distante, mas dois anos é muito tempo na política – e com o aquecimento climático e os perigos do El Niño aumentando rapidamente, a definição do que é realista e pragmático não será a mesma. Continuem acompanhando neste espaço. SUMAÚMA vai seguir o tema de perto.


Nosso trabalho em Dubai tem o apoio da organização não governamental Global Witness (@global_witness), que publica um artigo de Claudia Antunes sobre a importância da COP-28 e desta cobertura para o planeta


Checagem: Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Tradução para o português: Denise Bobadilha
Tradução para o espanhol: Meritxell Almarza
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Fluxo de edição, estilo e montagem: Viviane Zandonadi (com Érica Saboya)
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Direção: Eliane Brum

Indígenas do Brasil em Dubai: quem recebe a COP é uma das nações que mais lucra com os combustíveis fósseis que acabam com as florestas, seus povos e a vida no planeta. Foto: Mahmoud Khaled/COP-28

© Direitos reservados. Não reproduza o conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita de SUMAÚMA