Jornalismo do centro do mundo
Micélio

Quando completou 10 anos, Ya Juruna, da aldeia Miratu, no Pará, viajou mais de 2 mil quilômetros para aprender a língua guardada pelos parentes do Mato Grosso. Foto: Lilo Clareto/ISA

Belo Monte barrou as águas do rio e, como dizem os Yudjá/Juruna, causou o fim do mundo. Mas antes de o fim do mundo chegar esse povo decidiu fazer uma grande viagem para buscar parentes separados por quase um século. Raylane, 19 anos, e Weslane, 24 anos, mulheres do povo Yudjá/Juruna da Volta Grande do Xingu, investigaram essa história por semanas, entrevistaram Natanael, o professor e coordenador pedagógico da aldeia Mïratu, onde vivem, o avô Agostinho, o principal ancião da comunidade, e a prima Ya Juruna, uma jovem que participou dessa longa jornada de busca.

Elas vivem na Terra Indígena Paquiçamba, moldada num lugar onde o Xingu faz uma acentuada curva e que por isso se chama Volta Grande do Xingu. Pertencem a esse rio, que nasce em Mato Grosso e corre quase 2 mil quilômetros, cruzando o Pará até beijar o rio Amazonas. Sua existência, assim como a de suas filhas e filhos, está ameaçada pelo ecocídio provocado por Belo Monte, que sequestra 70% da água que antes alimentava a vida das pessoas humanas e não humanas da Volta Grande, usando o poderoso Xingu como sua caixa-d’água particular.

Esta reportagem, em formato de podcast, é a primeira publicação da primeira edição do Programa de Coformação de Jornalistas-Floresta Micélio-SUMAÚMA. Desde maio, 14 pessoas do Médio Xingu (quatro indígenas, três beiradeiros, uma quilombola, uma camponesa, uma pescadora, uma enfermeira de saúde indígena e jovens da periferia urbana de Altamira) participam de encontros na floresta e na cidade e são acompanhadas diariamente por “sementoras”, jornalistas seniores de SUMAÚMA – e também as acompanham, porque a coformação é real e conjugada no cotidiano. Nesta primeira reportagem, a “sementoria” é de Letícia Leite, da produtora de podcast com populações da floresta Vem de Áudio, e de Maickson Serrão, apresentador da Rádio SUMAÚMA e do podcast Pavulagem.

Coordenado por Raquel Rosenberg, cofundadora do Engajamundo, o método pedagógico do Micélio-SUMAÚMA deliberadamente escapa de qualquer ortodoxia. O programa, idealizado por Eliane Brum (também responsável pela supervisão e conteúdo) e Jonathan Watts, mantém o rigor, a responsabilidade e a precisão do jornalismo tradicional. Micélio-SUMAÚMA conta ainda com a consultoria de cuidados da psicanalista Ilana Katz e a produção de Thiago Leal. A administração financeira é de Mônica Abdalla, Marina Borges é a assistente administrativo-financeira e Mariana Zahar a consultora financeira. Micélio-SUMAÚMA é apoiado por Moore Foundation e Google News Initiative.

No movimento do Micélio os jornalistas de SUMAÚMA ensinam o jornalismo que sabem fazer – e os miceliantes ensinam como contam histórias a partir da experiência de viver na floresta, com a floresta, como floresta – ou, no caso dos jovens periféricos, nas ruínas da floresta. Essa experiência deve ser parto de novos jornalismos.

Raylane Juruna (segunda à direita), participante do Micélio Sumaúma, com as irmãs e primas em uma apresentação cultural da Aldeia Miratu. Foto: Arquivo Aldeia Mïratu

Cada um dos miceliantes – ou “missalientes”, como elas e eles preferem – recebe uma bolsa mensal, equipamento e a garantia de internet na sua comunidade, que preferencialmente é instalada num espaço público, como escola e posto de saúde. Assim como SUMAÚMA, Micélio não é sobre indivíduos, mas sobre comunidades. Por isso cada uma delas ou deles foi escolhida/o por sua comunidade ou coletivo e tem madrinhas e padrinhos que as/os acompanham nas aldeias, reservas extrativistas, assentamentos etc. A maioria é formada por mulheres, porque SUMAÚMA faz intervenção de gênero. Dos 14, nove são mulheres.

Micélio-SUMAÚMA é o que fará de SUMAÚMA uma plataforma de jornalismo desde a Amazônia. Nossa redação crescerá a partir desses novos jornalistas e jornalismos. Cada edição do Micélio acontecerá em uma região diferente da floresta, porque sabemos que a Amazônia só pode ser compreendida no plural. Além de irrigar a redação de SUMAÚMA, elas/eles criarão suas próprias iniciativas ou se somarão a outras iniciativas independentes já existentes, porque acreditamos em redes colaborativas. Ou levarão essa experiência para outros campos de reflexão e ação. Nós, que criamos SUMAÚMA, somos uma equipe-ponte. A meta estabelecida em nosso projeto e planejamento é que no máximo em dez anos SUMAÚMA seja quase totalmente formada e liderada por jornalistas-floresta.

A partir deste aniversário de 1 ano, começaremos a publicar as primeiras reportagens criadas na experiência do Micélio-SUMAÚMA. Quando as repórteres Yudjá/Juruna iniciaram essa investigação, elas queriam compreender o que aconteceu no passado e responder à pergunta: por que nós fomos separados?

Escute.


Arte do micélio: Hadna Abreu
Checagem: Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Elvira Gago
Tradução para o espanhol: Julieta Sueldo Boedo
Tradução para o inglês: Sarah J. Johnson
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Montagem da página: Érica Saboya

Aldeia Tuba Tuba na beira do rio Xingu. Foto: Are Juruna

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