Nossa Voz
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Noite feliz, noite de chuva
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Jonathan Watts
Altamira, Rio Xingu, Amazônia
Neste mundo tão polarizado, há algo que todos temos em comum: a sensação de alívio quando o clima se comporta de uma forma relativamente normal.
É tão raro que isso aconteça hoje em dia que foi com imensa alegria que recebemos a notícia de uma chuva volumosa em Altamira. Ela interrompeu – pelo menos por ora – a estação atipicamente seca, longa e ardente que atormenta o estado do Pará e grande parte da região amazônica pelo segundo ano consecutivo.
Se o clima estivesse normal, o esperado seriam aguaceiros diários, durante vários meses, para encher os rios desidratados, apagar os incêndios criminosos e revitalizar a floresta ressecada. Os tons castanhos passariam a ser verdes e a multidão de vida respiraria mais facilmente.
Seriam notícias bem-vindas para aqueles que procuram a alegria de cada estação. O Natal não é Natal sem chuva na floresta tropical. Mas algumas porções da Amazônia ainda estão secas. As estações chuvosas estão cada vez mais curtas, o que é ruim para a floresta, para o abastecimento de água e para a geração de alimentos.
Enquanto isso, os esforços humanos para combater o aquecimento global correm o risco de retroceder vários passos. A COP do clima em Baku, foi uma das mais miseráveis já registradas, e deixou o Brasil com uma montanha para escalar em novembro do próximo ano, quando Belém sediará a COP-30, a primeira na Amazônia. É bem possível que o público testemunhe o céu envolto em fumaça criminosa, o que seria um símbolo adequado para um mundo em chamas e com a liderança global tomada pelos interesses dos exploradores de combustíveis fósseis.
O próximo ano será difícil. Quando Donald Trump assumir o poder em janeiro, é provável que avance rapidamente para, mais uma vez, retirar os Estados Unidos do Acordo Climático de Paris. Grandes nomes do setor empresarial têm recuado de compromissos, cada vez mais enfraquecidos, de proteger o meio ambiente. A Coca-Cola diluiu suas promessas de emissões e reciclagem. Os lobistas corporativos obstruíram esforços para aprovar um tratado global que limitaria a poluição por plástico. Grandes instituições financeiras, como BlackRock e JPMorganChase, são acusadas de providenciar capital para empresas que desmatam florestas e violam direitos Indígenas.
Também no Brasil boa parte dos produtores e negociantes de grãos ainda resiste a aderir à moratória da soja, que é, há 18 anos, o acordo mais proeminente do setor privado para proteger a Amazônia. Os líderes linha-dura do agronegócio e da mineração estão em ascensão e ganharão ainda mais poder com o recente anúncio do acordo Mercosul-União Europeia.
Em certo sentido, isso coloca a Amazônia em uma posição ainda mais precária. A floresta tropical sofrerá mais pressão extrativista, a extrema direita será encorajada e o colapso climático vai se acelerar.
Apesar das muitas ameaças que a COP-30 em Belém enfrenta de inimigos políticos, incapacidade logística e potencial violência policial contra a sociedade civil, há uma história forte para contar: a de sobreviver ao colonialismo e à escravidão, de reduzir o desmatamento da Amazônia e do Cerrado e de trazer mais líderes Indígenas para o governo. Se a luta de uma retomada precisa começar em algum lugar, que seja aqui, onde tanto os povos tradicionais como os pequenos produtores rurais estão sob pressão dos negociadores globais e do clima alterado pelos combustíveis fósseis.
Por isso, apertem os cintos e se mantenham unidos. SUMAÚMA vai relatar todo esse caminho através dos olhos da nossa equipe premiada de jornalistas e com a bem-vinda chegada de um novo repórter sediado em Belém, Guilherme Guerreiro Neto.
Ainda há muitas histórias a serem contadas, razões para lutar e motivos de alegria. A solidariedade nunca foi tão importante. Agradecemos a todos vocês da comunidade SUMAÚMA por lerem os nossos artigos e apoiarem o nosso trabalho em 2024.
Desejamos a todas e todos chuvas reparadoras, momentos de calma e vigor renovado para 2025. |
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